quarta-feira, 16 de maio de 2012





Tendo fracassado todas as tentativas de constituição de um novo governo, realizar-se-ão dentro de um mês novas eleições legislativas na Grécia. Em cima da mesa estão duas questões fundamentais para os gregos e para todos os países da União Europeia, a continuidade da aplicação do memorando da troika e a permanência da Grécia na zona euro.

A SYRIZA defende a permanência da Grécia na zona euro e na UE e, ao mesmo tempo, a ruptura com o programa da troika. As últimas sondagens mostram que a grande maioria do eleitorado grego pretende o mesmo. Por isso, A Coligação da Esquerda Radical sobe nas sondagens e é apontada como provável vencedor das eleições de Junho.

Podemos partir do princípio que estes objectivos são justos. A aplicação do programa da troika atirou o país para uma recessão prolongada, afundando-o num abismo de miséria e desemprego, sem conseguir qualquer resultado em termos de resgate da dívida pública. Os partidos que se comprometeram com o cumprimento desse programa, o PASOK e a Nova Democracia, foram duramente penalizados nas últimas eleições e, no conjunto não somaram mais de 30% dos votos. Por outro lado, o eleitorado grego não atribui mais de 20% de votos aos partidos, aos comunistas do KKE e aos neonazis do XA, que defendem a saída do euro. Sabem que um regresso ao dracma acarretaria, pelo menos nos anos mais próximos, uma hiperinflação e, consequentemente, ainda maior agravamento das situações de pobreza já existentes.

Podemos, então, partir também do princípio que a SYRIZA deverá ganhar as próximas eleições. No entanto, ganhar as eleições não implica necessariamente alcançar os objectivos que considera serem justos.

Essa possibilidade implicará a realização, cumulativa, de duas condições. A primeira é a de conseguir formar governo, o que significa ganhá-las com maioria absoluta ou, pelo menos, conseguir alcançar uma maioria com o apoio do DIMAR (Esquerda Democrática). (Excluímos a hipótese da uma aliança com os partido pró-troika e com os comunistas que têm outros objectivos.) Em segundo lugar, é necessário que esse governo garanta o financiamento da dívida grega em condições completamente diferentes daquelas que actualmente são impostas pela Troika.

Se estas duas condições não forem preenchidas, então o mais provável é que os gregos sejam obrigados a escolher entre permanecer no euro e aceitar o programa da troika, ou rejeitar esse programa e regressar ao dracma. Em qualquer dos casos, ainda que a SYRIZA ganhe as próximas eleições, ela sairá politicamente derrotada. Confirmar-se-iam as posições daqueles que não vêm uma terceira via entre aquelas duas alternativas.

Mas, ainda assim, como é que partidos que falharam na tentativa de constituir governo após as primeiras eleições, poderiam fazê-lo na sequência das segundas, sendo a SYRIZA o partido mais votado? Se se mantiver uma situação de impasse na formação de um governo maioritário, o mais provável é a entrada da Grécia na bancarrota, a sua saída do euro e a formação de um governo chamado a aplicar uma política violentamente austeritária. Esse governo teria que assumir o poder ignorando o parlamento. Provavelmente, uma ditadura militar seria chamada a ocupar o vazio do poder, a acabar com os partidos e a garantir a “ordem pública”.

Os dados estão lançados e aquilo que está em jogo é a defesa da União Europeia ou a sua desagregação. E, na Grécia, o início de um processo de recuperação económica ou a bancarrota, a democracia ou uma nova "ditadura dos coronéis".

A responsabilidade de todas as partes envolvidas é tremenda. A justeza das opções tomadas será avaliada pelas consequências que delas decorrerem.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Parlamentarismo, partidos políticos e sistemas eleitorais - o caso da Grécia




Em regimes democráticos parlamentares, isto é, em regimes onde o poder político resulta de eleições livres e competitivas para uma assembleia legislativa, pode valorizar-se sobretudo a constituição de um governo estável ou a representação proporcional dos diferentes partidos no parlamento.

Quando se adopta um sistema eleitoral maioritário, como acontece por exemplo no Reino Unido, privilegia-se a 1ª hipótese. Um sistema assim favorece o bipartidarismo e tende a excluir do parlamento minorias com uma representatividade social relevante. E admite mesmo a hipótese do partido mais votado à escala nacional obter uma minoria dos deputados eleitos.

Pelo contrário, um sistema eleitoral de representação proporcional garante a representação parlamentar de todos os partidos com uma implantação social relevante (favorece, portanto, o multipartidarismo), mas pode conduzir a uma situação de ingovernabilidade se das eleições legislativas resultar um parlamento muito fragmentado. Como aconteceu, recentemente, na Grécia.

De uma maneira geral, os países que adoptaram um regime eleitoral de representação proporcional tentaram minorar esse risco. Por exemplo, optando métodos de conversão de votos em mandatos que favorecem os maiores partidos (como o método de Hondt) ou introduzindo uma “cláusula barreira” que impede a eleição de deputados por partidos que não alcancem uma percentagem mínima de votos à escala nacional (na Grécia é de 3%). Mas além disso, a lei grega reforça essa intenção atribuindo ainda um bónus de 50 deputados ao partido mais eleito.

Em regra, um sistema multipartidário limitado, onde 4/5 partidos estão representados no parlamento, permite a representação das correntes políticas mais significativas e, ao mesmo tempo, a constituição de governos estáveis. Contudo, isso dificilmente acontece num parlamento pulverizado. Na Grécia, a penalização eleitoral dos dois partidos que se têm alternado no governo resultou num parlamento dividido por 7 partidos, dos quais o mais votado teve apenas 19% dos votos. E, nestas circunstâncias, a formação de um governo revelou-se impossível.

Chegou-se, portanto, a uma situação de impasse: os partidos favoráveis ao cumprimento do programa da troika (a ND e o PASOK), com 30% dos votos, só elegeram 149 deputados, quando precisariam de ter 151. A esquerda anti-troika (SYRIZA e DIMAR) elegeu 70, ou 96 (se lhe somarmos os 26 deputados eleitos pelo KKE, que tem recusado qualquer coligação). Restam os 33 deputados eleitos pelo ANEL (direita democrática anti-troika) e os 19 eleitos pelo AX (partido neonazi).

Note-se que a situação não se alteraria se o polémico bónus de 50 deputados atribuído ao partido mais votado fosse suprimido. Nesse caso, com um parlamento de 250 lugares, os partidos pró-troika somariam 99 e a esquerda anti-troika (com o KKE) 96. Só uma revisão eleitoral que adoptasse um sistema de representação maioritário poderia desbloquear a situação.

Não sendo viável esta alteração, as próximas eleições apenas irão confirmar (e, portanto, agravar) a situação existente. A não ser que os eleitores usem o seu direito de voto para contrariar a actual pulverização do parlamento, reforçando a votação num dos dois partidos mais votados nas últimas eleições. Ou seja, agindo na prática como se estivessem perante um sistema eleitoral maioritário a duas voltas, como o sistema francês.

Em última análise, aquilo que está em causa nesta “2ª volta” são sobretudo duas as opções que se colocam ao eleitorado grego: prosseguir as políticas determinadas pelo acordo com a troika, e então deveria concentrar os seus votos na ND, ou romper esse acordo e votar no SYRIZA.

Pelo seu lado, competirá a estes dois partidos facilitar a escolha dos eleitores estabelecendo os acordos pré-eleitorais mais amplos possíveis com os partidos democráticos menos votados, mais próximos das posições de cada um deles.

 A manutenção deste impasse é insustentável. Se não se encontrar uma saída no quadro democrático, há razões para temer o aparecimento de um qualquer Bonaparte que, afirmando-se contra os partidos e a “desordem democrática”, “em nome da nação” instaure uma ditadura militar.

terça-feira, 8 de maio de 2012



Grécia – the day after

O ND e o PASOK elegeram 149 deputados – precisariam de um mínimo de 151 para poder formar um governo de coligação com apoio parlamentar maioritário. Uma alternativa de esquerda, também não parece viável. Aos deputados eleitos pelo SYRIZA (52), poderiam juntar-se, eventualmente, aqueles que foram eleitos pelo DIMAR (19) e, mais improvavelmente, os do KKE (26), o que se traduziria num apoio parlamentar insuficiente.

Nestas circunstâncias, a realização, a curto prazo, de novas eleições parece ser a hipótese mais provável. E, se assim for, é possível que se verifique alterações significativas na composição do parlamento grego. Em 8 de Maio, os gregos optaram por um “voto de protesto”. É provável que, chamados de novo às urnas, optem por um “voto estratégico”, determinado pela necessidade de viabilizarem uma solução governativa.

Basicamente, serão confrontados com três alternativas: 1) viabilizar um governo que prosseguiria a aplicação do programa da Troika, concentrando os seus votos na AD ou no PASOK e; 2) viabilizar um governo que defenderia a permanência da Grécia na EU e na eurozona, mas regeitaria o programa da Troika, concentrando os seus votos no SYRIZA; 3) optar por uma declaração de bancarrota e pela saída da Grécia da EU e da eurozona.

Esta 3ª hipótese só é explicitamente defendida pelos comunistas do KKE e pelos fascistas do XA, mas impor-se-á naturalmente se as duas primeiras falharem. E, nesse caso, penso que devemos temer pelo futuro da democracia na Grécia. Não porque admita a hipótese do KKE ou do XA tomarem o poder, mas porque penso que isso levaria provavelmente à instauração de uma ditadura militar, ao regresso dos coronéis.

Quanto à 1ª hipótese, ela significaria a continuação de uma política que tem condenado a Grécia à ruína e que os gregos rejeitaram liminarmente nas últimas eleições.

Resta-nos a 2ª hipótese. O SYRIZA tem recusado a chantagem que consiste em declarar que o programa da Troika é a única alternativa à bancarrota. Na sua opinião, a EU não se pode dar ao luxo de deixar cair a Grécia, porque as consequências da sua falência seriam devastadoras para a sobrevivência do euro. E, nestas condições, e possível renegociar o programa de assistência financeira, garantindo condições de crescimento económico, de combate ao desemprego e de defesa do estado social.

Por qual destas hipóteses vão os gregos optar? E qual será a resposta da EU se preferirem a 2ª? As respostas implicam não só o futuro da Grécia, como o da União Europeia. E, desde logo, o futuro de Portugal. Hoje, mais do que nunca, somos todos gregos.

segunda-feira, 7 de maio de 2012


Grécia – e agora?


 
O Syriza obteve mais de um milhão de votos, foi o 2º partido mais votado e o mais votado em Atenas e na Ática. No seu conjunto, a esquerda crítica do memorando da troika ultrapassou os 30%. Se compararmos estes resultados com os das eleições de 2009, podemos falar de uma importante vitória. Convém, no entanto, pôr alguma água na fervura.

No momento em que escrevo, tudo aponta no sentido da formação de um governo de coligação entre os partidos troikistas, a Nova Democracia (direita) e o PASOK (socialista), aos quais se poderá juntar ou não o partido dos Gregos Independentes. A ND elegeu 60 deputados aos quais se somarão mais 50, que segundo a lei eleitoral grega, dão concedidos como bónus ao partido mais votado. Uma vez que o PASOK elegerá 41, um governo de coligação destes dois partidos contaria com o apoio de 151 deputados num parlamento de 300. Se a essa coligação se somasse o PGI (33 deputados eleitos), teríamos uma maioria de 333 deputados.

Simplesmente, a ND e o PASOK são partidos historicamente rivais. Desde a reinstauração da democracia, em 1974, têm-se alternado sucessivamente no poder e na oposição e, ao longo desta campanha eleitoral, acusaram-se mutuamente da responsabilidade pela situação a que a Grécia chegou. Une-os o compromisso que ambos assinaram com a troika, mas perante o agudizar da crise, esse cimento pode não ser suficiente para garantir a continuidade do governo. Além disso, o PGI foi formado por deputados da ND que discordavam da orientação política do partido. Pela minha parte, duvido que o governo de coligação que está na forja se aguente até ao fim da legislatura.

Por outro lado, a esquerda anti-troika obteve nestas eleições resultados animadores: o Syriza (coligação de vários partidos da esquerda radical) elegeu 51 deputados (13 nas eleições anteriores); o KKE (comunista), 26 (21); e a Esquerda Democrática (formada mais recentemente por dissidentes do Syriza e do PASOK), 19. A sua soma daria 106. Um apoio insuficiente para sustentar uma alternativa governamental. Além disso, o KKE já recusou qualquer coligação com os outros dois partidos da esquerda. E de facto, pelo menos neste momento, divide-os uma divergência importante: enquanto o Syriza e a ED continuam a defender a permanência da Grécia e na zona euro, o KKE é a favor da sua saída. Curiosamente, este foi o partido da esquerda que menos subiu nestas eleições (8,48%, em 2012, e 7,54% e 8,15% nas duas legislativas anteriores).

Enfim, o Laos, um partido confessional de extrema-direita desapareceu do mapa parlamentar, tendo sido substituído pelos neo-nazis da Aurora Dourada, que elegeram 21 deputados e receberam 6,97% dos votos (0,29% e zero deputados nas eleições anteriores!), um partido que tem praticado actos de violência xenófoba, defende a saída da EU e se propõe “varrer” todos os imigrantes da Grécia.

Com sete partidos representados e tendo o partido mais votado apenas 19% dos votos, o parlamento grego está muito fragmentado e é pouco provável que dure uma legislatura. Penso que se evoluirá rapidamente para uma recomposição do sistema partidário, com a afirmação de 4/5 partidos com relevância eleitoral. Se, nessa altura, a esquerda se quiser apresentar como alternativa de governo, terá que trabalhar desde já no sentido da construção de uma plataforma de unidade. De outra forma, a vitória relativa que agora obteve, consumir-se-á rapidamente como um fogo de palha.