quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Tempos difíceis, tempos de grandes decisões

“A Zona Euro está a estudar formas de atrasar uma parte ou até mesmo a totalidade do segundo pacote de resgate à Grécia, no valor de 130 mil milhões de euros, mas evitando que o país entre em incumprimento desordenado em Março, avança a Reuters, que cita fontes da União Europeia. Os atrasos podem mesmo remeter o segundo resgate para depois das eleições gregas, esperadas para Abril” (Agência Financeira, 15-2-12).

A Grécia entrará em incumprimento se, no dia 20 de Março, deixar vencer uma dívida de 14,5 mil milhões de euros. Perante a ameaça da bancarrota, uma maioria muito ameaçada dos deputados parlamento grego aceitou as exigências da Troika para o desbloqueamento da tranche de 130 mil milhões de euros – despedimento de 15% dos funcionários públicos, redução em 20% do salário mínimo, mais cortes nas reformas e na saúde e aceleração do programa de privatizações.

Nada disto, no entanto, parece ter convencido o directório Merkozy. Como se sabe, estas cedências foram alvo de intensa contestação popular e custaram ao PASOK e à Nova Democracia a expulsão de 42 deputados. Além disso, o Laos, um dos partidos que apoiava o Primeiro-Ministro Papademos, retirou-se do governo. E em Abril realizam-se eleições antecipadas.

Recordemos as previsões da última sondagem eleitoral: ND (Nova Democracia, direita) – 31%; ED (Esquerda Democrática, partido formado recentemente por dissidentes do SYRISA e do PASOK) – 18%; KKE (Partido Comunista) – 12,5; SYRISA (partido afim do Bloco de Esquerda) – 12%; PASOK (Partido Socialista) – 8%; LAOS (partido de extrema-direita) – 5%.

Ou seja, ND e PASOK somariam apenas 39% dos votos: a maioria que agora aprovou as novas exigências da Troika já não existiria em Abril. Compreende-se, assim, a proposta alemã de retirar à Grécia direitos soberanos em matérias orçamentais e a actual proposta dos Ministros das Finanças da eurozona de manter a Grécia sob chantagem, disponibilizando a nova tranche do empréstimo às pinguinhas.

Estamos perante um braço de ferro cujos resultados só estarão à vista dentro de três meses. O directório Merkozy tentará até ao último impor as suas condições, ameaçando os gregos com o espectro da bancarrota. O povo grego já aprendeu, no entanto, duas lições:

Primeiro, que a receita da Troika a que foram submetidos nos últimos anos não só não lhes permitiu reduzir a dívida, como atirou o país para uma profunda depressão económica, traduzida numa enorme vaga de falências, descida do PIB em 5%, quebra das receitas fiscais, 20% de desempregados (50% dos jovens) e um alastrar imparável da mancha de pobreza e de miséria.

Segundo, que essa receita não tem como objectivo salvar a economia grega da catástrofe, mas apenas a de garantir os interesses dos especuladores financeiros, que já ganharam fortunas com os juros agiotas cobrados pelos empréstimos que concederam à Grécia,

Terceiro, que o incumprimento da Grécia não traria apenas dificuldades acrescidas para o povo grego, repercurtir-se-ia também noutros países da eurozona (Portugal seria o próximo alvo a abater…) e, em última análise, poderia vir a pôr em causa a própria sobrevivência do euro. Será que a Alemanha, que tem sido a grande beneficiária da criação da moeda comum estará disposta a pagar esse preço?

Se, em Abril, os gregos recusarem as exigências da Troika, isso pode ser um primeiro passo para o fim das políticas do directório franco-alemão. O segundo, poderá vir passado um mês, em França, com a derrota de Sarkozy.

A saída para a crise joga-se em cada país, mas só ficará decidida no plano europeu. Nesta altura, são os gregos quem se encontra nas primeiras filas da batalha. Também por isso, merecem toda a nossa solidariedade.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Protestar e vencer

300.000 pessoas no Terreiro do Paço. A manifestação da CGTP do passado dia 9 terá sido, segundo os organizadores, a maior realizada em Portugal nos últimos 30 anos.

Segundo o INE, em 2009, existiam em Portugal 1,9 milhões de pobres e 2,7 milhões de pessoas dependiam de transferências sociais para não caírem também na pobreza. A política de austeridade assumida pelo governo PSD-CDS tem promovido cortes sucessivos desses apoios e, portanto, a situação está a agravar-se assustadoramente.

No passado dia 11, diante do abismo da recessão, do desemprego, da descida dos salários reais, da perda de regalias sociais das quais depende uma existência humana com um mínimo de dignidade, 300.000 pessoas uniram-se, ultrapassando diferenças políticas e ideológicas, para dizer NÃO – e isso é, a todos os títulos, admirável. Significa que ainda estamos vivos e que, portanto, não há lugar para a desesperança.

Por outro lado, na véspera desta grandiosa manifestação de protesto, a SIC e o Expresso publicaram uma sondagem com os seguintes resultados (acrescentamos entre parênteses os resultados das últimas Legislativas): PSD – 35% (38,6), PS – 30% (28), CDS – 11,7% (11,7), CDU – 8,5% (7,9), BE – 6,5% (5,1). Ou seja, embora a sondagem revela uma ligeira tendência para o crescimento dos partidos da esquerda, se se realizassem agora eleições para a AR, o PSD e o CDS manteriam a maioria absoluta e os partidos que assinaram o memorando da Troika teriam, no seu conjunto, 76,7% dos votos.

Ninguém pode garantir que estes resultados sejam absolutamente fiáveis. Também não garanto que no Terreiro do Paço tenham estado mesmo 300.000 pessoas. No entanto, admitindo que estes números sejam verdadeiros, nem por isso diria que são contraditórios. Afinal, a vitória de Passos Coelho foi antecedida pela gigantesca manifestação semi-espontânea dos “indignados”.

Manifestações de rua são expressões de descontentamento, eleições são escolhas de alternativas. E a verdade é que se a esquerda tem sabido canalizar o descontentamento popular para grandes manifestações de protesto, nem por isso tem sabido apresentar alternativas de governação que o eleitorado considere justas e viáveis.

Enquanto esta questão não for resolvida, por maior que venha a ser o descontentamento social, a direita estará condenada a governar e a política contra a qual nos manifestamos prosseguirá.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

A paisagem depois da batalha

Muitas pessoas, incluindo economistas reputados de diferentes quadrantes políticos, já compreenderam que a receitas austeritárias preconizadas pela Troika e diligentemente aplicadas pelo Governo só conduzem à recessão, e que da recessão económica não pode resultar a redução da dívida mas apenas o seu agravamento.

Não faltam vozes insuspeitas (porque não têm origem em Portugal nem na “oposição”) que consideram que o caminho que estamos a seguir nos conduz fatalmente à bancarrota. Há, dizem, 70% de possibilidades de que isso venha a acontecer. As empresas de rating aconselham os investidores a não comprar as obrigações emitidas pelo Estado português porque as consideram incobráveis, são “lixo” – e desta vez têm razão.

Mas, segundo Passos Coelho, não é necessário renegociar o acordo com a Troika. Não precisamos de mais dinheiro, nem de mais tempo. Muito menos devemos pôr a hipótese de questionar os montantes da dívida e dos juros que nos estão a ser exigidos.

O acordo com a Troika é para cumprir “custe o que custar”. Portanto, na sua opinião, a continuidade desta política não depende de uma avaliação dos seus resultados.

Monopólios naturais com importância estratégica na definição da política económica do país são vendidos a Estados estrangeiros? As pequenas e médias empresas abrem falências aos milhares? O desemprego não para de crescer? Os pobres são cada vez mais e cada vez mais pobres? A classe média está ameaçada? Os jovens licenciados são aconselhados a emigrar? Quem comprou um apartamento a crédito, entrega-o ao banco? Quem tem ouro em casa põe-no no prego?

E, depois de tudo isto, os juros das obrigações da dívida pública portuguesa batem recordes no mercado secundário?

Para Passos Coelho e para os “Chicago Boys” que se instalaram no seu governo, não importa. Da destruição do que resta do nosso tecido económico – nascerá o progresso; da facilitação dos despedimentos – resultará a diminuição do desemprego; da descida dos salários – derivará o bem-estar; da destruição do Estado social – sairão melhores reformas, melhor saúde, melhor educação.

O milagre tem data marcada: tudo isto vai acontecer em 2013. E se assim não for? Para Passos Coelho essa hipótese nem se coloca. Afinal, os livros de Milton Friedman que lhe impingiram na escola dizem que não pode ser doutra maneira.

Se, em 2013, Portugal não estiver em condições de obter financiamento nos mercados financeiros e se nos vierem dizer que temos que recorrer a um novo “resgate” da Troika, se então se perceber que a receita de Passos Coelho falhou, que todos os sacrifícios que nos foram impostos foram feitos em vão, restará ao Governo (que já disse que não tem um “plano B” para o caso deste não resultar) pedir a sua demissão.

Na minha opinião, é isso que vai acontecer. Mesmo no seio da direita, observa-se que existe já quem se esteja a preparar para o day after. Este governo não concluirá o seu mandato. Até hoje, a esquerda tem-se limitado ao protesto, à “indignação”. Deve começar desde já a construir alternativas possíveis de governo. A ver se ainda se pode salvar alguma coisa.