segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Lições de uma sondagem


Uma sondagem realizada pelo CESOP (Universidade Católica), nos dias 10 e 11 e divulgada no JN, no DN e na TVI em 19 de Setembro, estima em 43% a intenção de voto no PSD em eleições para a AR, mais 6% para o CDS. Significa isto que os portugueses estão satisfeitos com a governação de Passos Coelho? Nem por isso. Inquiridos sobre a actuação do governo, só 1% dos entrevistados a classificam com Muito Bom e 31% com Bom. A maioria considera-a (30%) ou Muito Má (16%). Então como compreender estas intenções voto, que renovam a maioria absoluta que sustenta o actual governo?

Há uma explicação: os portugueses não acreditam existir alternativa mais favorável. Segundo a sondagem, em próximas eleições, 22% dos inquiridos afirmam não ter a intenção de votar e 4% votariam Branco ou Nulo). Apesar da apreciação negativa que fazem da governação de Passos Coelho, 31% consideram-na Melhor que a de Sócrates e só 16% a consideram Pior. A maioria (42%) considera que ela não é nem uma coisa nem outra. Além disso, 66% dos inquiridos não acreditam que nenhum dos partidos da oposição fizesse melhor que o actual governo, se estivesse a governar.

Durante a campanha eleitoral, Passos Coelho prometeu que não tocaria no 13º mês, que não aumentaria os impostos e iria reduzir o défice orçamental cortando nas “gorduras” do Estado. Imediatamente depois da vitória eleitoral, expropriou-nos metade do subsídio de Natal e subiu impostos. Quanto às “gorduras” ficamos a saber que são a Saúde, a Educação e a Segurança Social. Os eleitores caíram no conto do vigário e ofereceram-lhe uma confortável maioria.

Como é possível que, agora que as patranhas estão à vista de todos, estejam dispostos a renová-la? Não se trata de masoquismo, mas de descrença. Antes de terem sido derrotados nas urnas, os portugueses foram derrotados nas suas ilusões e essa é, talvez, a mais dura herança que Sócrates nos deixou.

Se o PS está de acordo com o memorando da troika que serve de guia à governação do governo PSD-CDS, como poderá propor-nos uma governação substancialmente diferente? Se os diferentes partidos de esquerda não são capazes de se entenderem, que esperança podemos ter na construção de uma alternativa de governo?

Compreende-se a descrença, mas sabe-se também que, descrentes, os portugueses serão sempre derrotados. Seguro da sua força, o governo promete-nos: "Nos próximos anos a situação agravar-se-á, mas em 2015 o desemprego já terá regressado aos níveis actuais". Entretanto, recupera-se, sob outra designação, o "despedimento por razões atendíveis", diminuem-se as indemnizações por despedimento sem justa causa e reduz a duração e o montante do subsídio de desemprego.

Alguns dizem-nos: “Tudo isto é inevitável. É preciso saber sofrer com paciência e resignação”. Mas para outros a situação já se tornou insustentável. Algo terá que mudar.

Para os mais desanimados, recordo os versos de Bertold Brecht: “As coisas não continuarão a ser como são / Depois de falarem aqueles que reinam / aqueles sobre quem reinam falarão”.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O ABC da(s) crise(s) – parte II

Reduzindo a coisa à sua fórmula mais simples, escrevi no meu último post que, perante a crise actual, há quem defenda que não é possível relançar o desenvolvimento económico sem primeiro resolver o problema da dívida pública e há quem afirme que a questão da dívida pública só pode resolver-se com o crescimento económico.

É evidente que entre estas duas posições se podem descobrir diferentes nuances. Nomeadamente, do ponto de vista da defesa de um equilíbrio orçamental, há quem defenda cortes severos nas despesas públicas com a segurança social, a saúde e a educação e há quem preferisse ver devidamente taxadas as grandes fortunas e os lucros do capital. E, do ponto de vista do crescimento económico, há quem considere que ele só ocorrerá se os lucros dos investidores privados aumentarem pela descida dos custos do trabalho e quem defenda que não haverá investimento se não houver procura e não haverá procura se o poder de compra dos trabalhadores estiver esmagado pelas medidas de austeridade. Enfim, há que defenda um “Estado mínimo” e quem defenda o Estado social e o investimento público.

Em última análise, trata-se de escolhas políticas. A direita neoliberal defende que o benefício dos mais ricos acabará por se traduzir num benefício geral. A esquerda considera que o neoliberalismo apenas garante o aprofundamento o enriquecimento dos primeiros e o alargamento das desigualdades sociais. Os primeiros incensam as virtualidades auto-reguladoras dos mercados, os segundos defendem a intervenção reguladora do Estado e a sua função na redistribuição das riquezas.

Podemos constatar entre estas duas posições nos EUA, onde se opõem as políticas defendidas pelo presidente Obama e aquelas que são defendidas pela maioria republicana no Senado e na Câmara dos Representantes. Mas enquanto na América a eleição de Obama permitiu que, até certo ponto, fosse questionado o ciclo de políticas neoliberais inaugurado por Reagan, na Europa o exemplo de Tatcher continua a frutificar nos diferentes governos, tendo inclusive passado a influenciar os partidos trabalhistas, socialistas e social-democratas, rendidos à “terceira via”.

Parece evidente que as medidas que têm que ser tomadas para podermos sair da crise têm necessariamente que passar por decisões assumidas à escala europeia. Ora, enquanto as políticas neoliberais mantiverem a hegemonia de que actualmente desfrutam no seio da UE, não haverá motivos para alimentar boas expectativas. A saída para a crise económica implica escolhas políticas que ainda estão por fazer.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O ABC da(s) crise(s)

A Formiga de Esopo está de regresso depois de um período de férias relativamente prolongado. A crise onde nos afundámos, essa não foi de férias, mas conheceu novos desenvolvimentos. Antes de nos debruçarmos sobre as novidades, regressemos ao básico.

A crise tem duas caras: por um lado, é uma crise financeira (crescimento da dívida pública e privada e endividamento do Estado e das famílias); por outro, é uma crise económica e social (falências e desemprego). Para a enfrentar, podemos privilegiar o combate à crise financeira, aplicando medidas de austeridade e reduzindo despesas; ou privilegiar o combate à crise económica, promovendo o crescimento económico.

A direita tem defendido que a promoção do crescimento depende da resolução da crise financeira e que esta implica uma política de austeridade. A esquerda, pelo contrário, considera que a crise financeira só terá solução quando conseguirmos vencer a crise económica.

As duas estratégias são dificilmente conciliáveis. Os neoliberais, defensores do Estado mínimo, vêm na crise uma oportunidade de ouro para reduzir as despesas públicas com a segurança social, a educação e a saúde. A liquidação do Estado social, a partir de agora considerado insustentável (e, portanto, reduzido a uma função assistencial que teria como destinatários os "pobrezinhos"), permitiria reduzir impostos, aumentar lucros e promover investimentos. Os keynesianos, pelo contrário, afirmam que as medidas de austeridade têm como consequência a redução da procura e provocam efeitos recessivos e defendem que a promoção do crescimento económico, num contexto de retracção do investimento privado, implica uma aposta consistente no investimento público.

A primeira tem sido a opção dominante e está claramente plasmada no memorando da troika. As consequências são evidentes: quebra do poder de compra, diminuição da procura, falências e desemprego. Logo, uma diminuição das receitas fiscais que se pretende contrariar com sucessivos aumentos de impostos. Cria-se um círculo vicioso que nos conduz da austeridade à recessão e da recessão à austeridade. É a “receita grega” com os resultados que se conhecem.

A alternativa estaria na aposta no crescimento económico. Só criando empregos e relançando o consumo é possível criar riqueza e, a prazo, reduzir o nosso défice orçamental. Porém, o investimento público encontra-se condicionado pelo facto dos recursos financeiros do Estado se encontrarem mobilizados para o pagamento, com juros insustentáveis, da dívida pública, e é contrariado pelo facto da política do governo seguir o programa "austeritário" definido no memorando assinado com a troika.

É possível sair deste impasse? A solução estaria na renegociação da dívida (num alargamento dos prazos de pagamento e numa redução dos juros devidos) e na denúncia dos termos daquele memorando. Solução rejeitada pelo governo e pelo maior partido da oposição. Ou seja, o combate à crise económica é, antes de mais, um combate político e um conflito ideológico.