terça-feira, 23 de novembro de 2010

Mansos como os bois?

Recordo-me de um texto do meu livro de leitura da instrução primária onde se fazia o elogio dos bois – esses animais tão fortes e, no entanto, tão mansos e obedientes. Entregavam-se aos duros trabalhos do campo (ainda não se usavam tractores…) e serviam os seus donos sem um protesto, sem um queixume.
Estávamos no tempo do Estado Novo e a metáfora não era inocente: tal como os bois, assim devia ser o povo português. Já passaram mais de 36 anos sobre o 25 de Abril, mas é ainda como os bois, sofredores e servis que muitos gostariam de nos ver.
E é assim que, apesar do desemprego e da pobreza crescente, dos cortes nos salários e do aumento dos impostos, das medidas de austeridade que deixam os responsáveis pela crise impunes, que pesam como chumbo sobre os mais desfavorecidos e condenam a economia nacional à recessão, ainda há quem pense que não existem razões para protestar, quem pense que estas opções políticas não podem ser alvo de um debate democrático, mas têm de ser aceites como uma fatalidade.
Há quem pense que a Greve Geral do dia 24 é uma idiotice. Pela minha parte, estarei do lado dos “idiotas” que não aceitam injustiças. Não estarei, de certeza, com aqueles que nos gostariam de ver como os bois do meu livro da instrução primária.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Para que serve a NATO?

Ocupado com outros afazeres, tenho tido pouco tempo para a televisão. Contudo, no domingo passado, não deixei de ver o programa de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI. E, entre outras cosas, achei curiosa a comparação da manifestação anti-Nato que, em Lisboa, desceu a Av. da Liberdade, com as situações descritas no filme Adeus Lenine. Ao mediático Professor pareceu-lhe que os manifestantes julgavam viver ainda noutro mundo, anterior á queda do Muro de Berlim.
A mim, pareceu-me exactamente o contrário. A NATO foi criada no contexto da Guerra Fria e são aqueles que defendem a sua continuidade que parecem ignorar que esta já acabou e que o Pacto de Varsóvia já não existe.
É claro que continua a haver perigos que ameaçam a segurança e a paz no mundo. De facto, a cimeira de Lisboa enunciou o terrorismo, a pirataria e o tráfico de droga como questões que justificariam a continuidade da NATO.
Acontece que essa aliança militar foi pensada e desenhada para enfrentar o poder de uma super-potência e não para combater ameaças difusas que não têm necessariamente origem na orientação política de um dado Estado. Suponhamos que um grupo de fundamentalistas islâmicos de nacionalidades diversas faz explodir um avião. Os aviões da NATO retaliam bombardeando a capital de um dos seus países de origem? Em Los Angeles, um indivíduo, sentado em frente do seu computador, lança um ciber-ataque que atinge os sistemas defensivos dos EUA. Invade-se a Califórnia? Embarcações de piratas somalis assaltam um petroleiro. Fazem-se avançar os submarinos equipados com ogivas nucleares?
A partir de agora, vai ser a NATO quem vai garantir a segurança dos aeroportos e organizar o combate ao narcotráfico? A NATO vai substituir as polícias nacionais? E haverá alguma vantagem em substituir o “capacetes azuis” da ONU, quando se trata de levar a cabo missões de paz em países dilacerados por guerras e genocídios? É claro que as forças militares da ONU necessitam de meios que permitam que a sua acção seja mais eficaz. Mas, quando recordo exemplos como os do Congo ou na Bósnia, parece-me que enviar para lá as tropas da NATO equivale a encarregar pirómanos de apagar incêndios.
Resta a questão dos escudos anti-míssil que, agora, segundo parece, nos devem proteger do Irão. Ou seja, a NATO justifica-se porque nos protege de um possível ataque nuclear com origem num país que não está equipado com armas nucleares… E que, aliás, não pode sequer ser nomeado, para não prejudicar as boas relações que mantém com a Turquia, um parceiro fundamental da Aliança. Curiosamente, também não se pode falar de Israel que tem, de facto, armas nucleares e cuja política se encontra no epicentro da instabilidade que afecta todo o Médio Oriente.
Enfim, a minha questão inicial era: para que serve a NATO? Provavelmente, deveria ser substituída por outra: a quem serve a NATO?

sábado, 13 de novembro de 2010

A rã e o escorpião

(Agiotagem, s. f., 1. Especulação ilícita sobre fundos e mercadorias, com vista a obter lucros exorbitantes. 2. Especulação bolsista. 3. Empréstimo de dinheiro a juros sobremaneira elevados.)
Na semana passada os juros da dívida pública portuguesa ultrapassaram pela primeira vez , no mercado secundário, os 7%. Dizem-nos que os mercados estão a interpretar o investimento realizado na compra das Obrigações do Tesouro vendidas pelo governo como aplicação de um capital de risco. A possibilidade de insolvência justifica os juros que pagamos.
De facto, a drenagem de capitais que assim se realiza limita fortemente as possibilidades de investimento público e, portanto, a possibilidade de retoma de desenvolvimento económico. E, sem isso, dificilmente estaremos em condições de saldar as nossas dívidas.
Ou seja, a especulação financeira sobre a nossa dívida pública pode tornar-se numa das causas de insolvência do Estado português. E, em consequência, num forte rombo na saúde financeira daqueles que têm apostado na compra das nossas Obrigações para obter lucros exorbitantes. Aliás, a senhora Merkl já anunciou que, em situação de emergência, os credores dos Estados em risco de insolvência terão de arcar com parte dos prejuízos inerentes a situações de crédito mal parado...
Tudo isto me faz lembrar uma história de Esopo, a fábula da rã e do escorpião. Pode contar-se assim:
Era uma vez um escorpião que tinha de atravessar um rio, mas não podia fazê-lo porque não sabia nadar. Encontrou uma rã e pediu-lhe:
- Podes transportar-me para a outra margem? Preciso muito de lá chegar.
- Mas tu és um escorpião, como posso confiar em ti? Respondeu-lhe a rã.
- Podes confiar, nada te acontecerá e terás sempre a minha gratidão.
Então, a rã permitiu-lhe que subisse para as suas costas e lá foram nadando para a outra margem. Mas, a meio da viagem, o escorpião espetou-lhe o seu ferrão. Sentindo o efeito do veneno, a rã ainda teve forças para perguntar:
- Porque fizeste isso? Agora morreremos os dois.
- Não pude evitá-lo, respondeu o escorpião. Está na minha natureza…
Valerá a pena chamar os especuladores à razão? Valerá mesmo a pena fazê-lo aos bancos portugueses que se financiam no BCE, pagando um juro pouco superior a 1%, para comprar Obrigações emitidas pelo Estado português a quase 7%? Não vale a pena: a agiotagem está na sua natureza.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Sim… Mas…

O PSD considera que O OE para 2011 é mau… Mas viabilizou-o na AR.
O PSD está contra a subida de impostos… Mas aceita que o IVA suba para os 23%.
O PSD considera que o equilíbrio das contas públicas se deve fazer através de cortes na despesa… Mas desde que isso não implique cortes no Orçamento das Câmaras Municipais que dirige.
O PSD lamenta que haja cada vez mais trabalhadores desempregados… Mas concorda que se dificulte o acesso ao subsídio de desemprego.
O PSD quer governar o país… Mas prefere fazê-lo mais tarde.
O PSD tem soluções para todos os nossos problemas… Mas, afinal, não são muito diferentes daquelas que o governo defende.
De facto, o governo de Sócrates é mau… Mas um de Passos Coelho não seria melhor. Soluções alternativas têm de ser procuradas noutro lado.