segunda-feira, 28 de junho de 2010

A crise do “modelo social europeu” e o discurso da direita
2 – O caso da Saúde

Segundo os profetas do fim do “modelo social europeu”, a despesa pública com a saúde tende a tornar-se insustentável. Logo, também aqui é necessário “cortar”. De uma maneira geral, dispensam-se de apresentar alternativas. Parece-me, portanto, legítimo analisar os resultados do “modelo americano” como modelo adoptado em países economicamente desenvolvidos e alternativo ao “modelo europeu” que assim se quer despedir.

Nos EUA, é indubitável que “uma minoria privilegiada tem acesso aos melhores cuidados médicos do mundo. Mas 45 milhões de Americanos não possuem qualquer seguro de saúde” (o ensaio de Tony Judt que temos vindo a citar é anterior à tímida reforma do sistema de saúde americano proposta pela administração Obama). “Como consequência, os Norte-Americanos vivem menos que os europeus ocidentais. Os seus filhos têm mais possibilidade de morrer na infância: os EUA ocupam o 26º lugar entre as nações industrializadas em termos de mortalidade infantil, com uma taxa que é o dobro da sueca, maior do que a eslovena, e só ligeiramente menor do que a lituana – e isso apesar de gastarem 15% do seu PIB em “cuidados de saúde” (a maior parte escoados nas despesas administrativas das redes privadas). Em contraste, a Suécia só gasta 8% do PIB em saúde”.

É para aí que nos querem “mudar”? Vejamos o que tem Pedro Passos Coelho a dizer sobre esta questão.

É claro que não pode fazer a defesa explícita do sistema de saúde americano. Contudo, começa por nos alertar para a insustentabilidade a curto prazo do nosso SNS para, depois de algumas generalidades, nos propor o essencial da sua receita. Na sua opinião, haverá despesas com a saúde que devem ser totalmente financiadas pelo Estado, outras que o Estado só deve financiar parcialmente e outra ainda que devem totalmente financiadas por via privada.

Este princípio geral tem sobretudo duas consequências práticas: em 1º lugar, “a concessão de gestão a particulares de unidades hospitalares de pequena e média dimensão” e a avaliação dos resultados obtidos “preparando a sua privatização” (continuo a citar o livro de PPC Mudar); em 2º, garantir, através de benefícios fiscais, a “liberdade de escolha” dos cidadãos que optem por utilizar serviços de saúde privados.

Em última análise não há nisto nada de novo, apenas uma promessa de radicalização do programa que tem vindo a ser seguido desde o primeiro governo de José Sócrates. Por isso mesmo é relativamente fácil avaliar as suas consequências. As parcerias público-privadas têm-se traduzido num bom negócio para os privados, num aumento da despesa para o Estado, numa degradação das condições contratuais dos enfermeiros e em nenhuns benefícios para os utentes. Os tratamentos mais complexos e que envolvem mais encargos continuam centralizados nos hospitais públicos. Em contrapartida, as clínicas privadas, em situações de internamento, oferecem melhores “condições hoteleiras” e, por isso, são preferidas por aqueles que estão em condições de as pagar. O que PPC propõe é sejamos todos a financiar generosamente essas preferências, mesmo sabendo que isso se traduzirá necessariamente num desinvestimento na saúde pública.

Afinal, aplica-se para saúde a mesma receita que conhecemos para a educação: benefícios para os privados e para aqueles que têm mais poder económico à custa de todos os contribuintes e do desinvestimento no serviço público. É claro que muitas coisas podem e devem ser mudadas no nosso SNS, mas “mudar” para isto? Não, obrigado.

domingo, 27 de junho de 2010

A crise do “modelo social europeu” e o discurso da direita
1 – O caso da Educação


Há um ensaio muito interessante de Tony Judt, “A boa sociedade: Europa vs. América”, publicado em 2006 na New York Review Of Books, traduzido em 2009 para português na sua obra O século XX Esquecido, Lugares e Memórias, da Edições 70.

Nele, Tony Judt sintetiza assim as críticas “americanas” ao chamado “modelo social europeu”: “A Europa encontra-se ‘estagnada’. Os seus trabalhadores, empregadores e regulamentação não têm a fllexibilidade e a adaptabilidade dos seus homólogos nos EUA. As despesas com os pagamentos e serviços públicos da segurança social europeia são ‘insustentáveis’. As populações envelhecidas e ‘mimadas’ da Europa são subprodutivas e presumidas. Num mundo globalizado, o “modelo social europeu” é uma miragem condenada. Mesmo os observadores ‘liberais’ norte-americanos costumam chegar a essa conclusão, só se diferenciando dos críticos conservadores (e neoconservadores) por não terem prazer nisso”.

Este discurso já não é só “americano”, mas tem feito caminho na direita (e numa certa “esquerda”) europeia. Em Portugal, ouvimo-lo insistentemente repetido, por exemplo, nos artigos de opinião de Vasco Pulido Valente ou de Miguel Sousa Tavares. No plano partidário, informa o programa político de Pedro Passos Coelho. Procura-se ganhar a opinião pública para a ideia de que o fim do “modelo social europeu” é inevitável. Em causa estão, portanto, os gastos do Estado com a educação, a saúde e a protecção social na reforma e no desemprego.

Comecemos pelo “caso da educação”. Em Portugal, isso significa que é inevitável o desinvestimento na educação pública, que ficaria reduzida a um serviço educativo mínimo destinado aos sectores mais desfavorecidos da população. Para os outros, fica o ensino privado.

Enfim, o “modelo social europeu” aproximar-se-ia do modelo americano. Talvez valha a pena recordar aqui as suas consequências. Voltamos a citar Tony Judt: “No conjunto, os Estados Unidos despendem muito mais em educação do que os países da Europa Ocidental; e têm de longe as melhores universidades de investigação do mundo. Contudo, um estudo recente [relatório de 2003 do PISA] sugere que por cada dólar gasto na educação, os Estados Unidos obtêm piores resultados do que qualquer outro país industrializado. As crianças americanas apresentam regularmente resultados inferiores às europeias, em literacia e numeracia”.

É claro que Pedro Passos Coelho não defende explicitamente o sistema educativo que impera nos EUA. Afinal tem umas eleições para ganhar! Quem procurar no seu livro Mudar propostas concretas que dêem corpo às mudanças que propõe apenas encontrará, para além de “diagnósticos” e vários lugares comuns, a defesa da ideia de que a prestação dos serviços sociais relativos à educação não tem que ser monopólio do Estado, mas deve contar com a iniciativa privada. O que quer dizer PPC com isso?

Simplesmente que o Estado pode desinvestir no ensino público desde que o ensino privado (claro que devidamente “apoiado” por todos os contribuintes) colmate as suas carências. Juntar-se-ia o útil ao agradável, pois reduzia-se a despesa pública e garantia-se a “liberdade de escolha”. Ou seja, as chamadas “escolas de elite”, que disputam afincadamente um lugar um lugar cimeiro nos rankings, deixariam de seleccionar os seus alunos e abririam as portas aos estudantes mais pobres, aos filhos dos imigrantes com problemas de integração social, aos jovens problemáticos oriundos de famílias disfuncionais, às crianças com deficiências físicas e mentais… Ou não? Ou será que continuariam a fazer exactamente o mesmo que fazem hoje, com a simples diferença de passarem agora a ser financiadas por todos?

E as outras escolas, incluindo as públicas, que almejassem entrar para o clube selecto das “escolas de elite”, deveriam seguir-lhes o exemplo e rejeitar os alunos com problemas de aprendizagem para poderem subir nos rankings?

Que medidas propõe PPC para que, em nome de valores estimáveis como a autonomia, a concorrência e a liberdade de escolha, não se institua um ensino de 1ª e um outro de 2ª, uma situação onde a escolaridade básica deixe de ter como objectivo a inclusão social, para passar a ser algo que faz da descriminação um princípio? Sobre isso, nada se diz no Mudar.

Longe de mim defender que tudo vai bem no ensino público em Portugal. Mas importa perguntar: “mudar” para onde? Consulte-se o relatório de 2003 do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) publicado pela OCDE em 6-12-2004 e analisem-se os resultados do sistema educativo americano.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O pessimismo nacional

Morreu José Saramago. Ninguém, mesmo aqueles que se distanciaram de muitas das suas opções políticas ou religiosas, é capaz de negar a importância da sua obra para a projecção da cultura portuguesa no mundo.

Deixo para outros, mais qualificados do que eu, a avaliação da riqueza da qualidade literária dos seus livros e da intransigente verticalidade da sua postura cívica e humana. Mas gostaria de recordar aqui outros que, como Saramago, realizam obras que prestigiam o nome de Portugal. Refiro-me, por exemplo, a Siza Vieira, a Paula Rego, a Maria João Pires, a Manoel de Oliveira… (Se quiserem, podem acrescentar alguns nomes ligados ao desporto.)

Não se trata de nenhuma lista de preferências subjectivas. São pessoas que souberam ser grandes e cujos méritos foram reconhecidos dentro e fora do país. São “estrangeirados”? Gente que pertence a uma elite sem raízes nem contactos com o povo? Não me parece. Pelo contrário, Portugal está inteiro nas suas obras, nos seus princípios, nos seus motivos, nas suas aspirações.

Contudo, o país afunda-se numa crise da qual ninguém parece ver o fim. O pessimismo instala-se e surge muitas vezes associado a um fatalismo que tudo pretende explicar por uma espécie de malformação congénita das nossas gentes.

Mas será possível que de gente tão fraca possam nascer pessoas tão notáveis aos olhos do mundo como aquelas que citei? Os tristes tempos em que vivemos fundam-se nos limites impostos por uma espécie de idiossincrasia nacional ou não terá, antes, razão Luís de Camões quando diz que “o fraco rei faz fraca a forte gente”?

sábado, 19 de junho de 2010

Uma golfada de ar fresco ou
um banho gelado?

Estamos todos fartos de José Sócrates. Quando o vemos na televisão a explicar-se, a justificar medidas que atingem os mais fracos e desprotegidos como se fossem ditadas pelos mais elementares princípios da justiça social, a prometer aquilo que não tem nenhuma intenção de cumprir e a anunciar grandes progressos e futuros radiosos – todos sentimos a tentação de mudar de canal. Já não há pachorra.

E, então, os olhos de muitos voltam-se para Pedro Passos Coelho. É uma cara nova e, por vezes, aparece-nos com ideias simpáticas.

Por exemplo, descer em 5% os ordenados dos políticos. É claro que depois vem a saber-se que essa medida não abrange os chefes de gabinete e os assessores, os boys que pululam por todos o lado. Não importa, foi dado o mote, a comunicação social deu-lhe o realce que se esperava e o capital de simpatia de PPC saiu reforçado. Mais uns votos.

Outro exemplo: impedir a acumulação e pensões públicas provenientes de regimes diferentes, obrigando o beneficiário a optar por uma delas. Quem (salvo Alberto João Jardim) terá coragem para se opor?

Ideias simpáticas, das quais ninguém discorda, embora se saiba que não põem em causa nada daquilo que é fundamental. Mas, passadas as “medidas simbólicas”, chega-se às questões importantes.

Assim: o PSD considera que a melhor maneira de combater o desemprego é facilitar os despedimentos. E, para isso, propõe que os contratos a prazo deixem de ser considerados como situações excepcionais para poderem ser renovados por tempo indeterminado. Ou seja, a situação de precariedade laboral, que atinge hoje mais de um milhão de trabalhadores, deixaria de vez de ser vista como uma situação justificada pela sazonalidade de certas actividades profissionais ou pela necessidade dum trabalhador passar por um período experimental antes de ingressar nos quadros duma empresa, para passar a ser a norma que rege qualquer relação laboral.

Todos os trabalhadores sabem o que isto significa em termos de perda dos seus direitos cívicos e sindicais. Nestas circunstâncias, quem se vai atrever a protestar contra os abusos das entidades patronais? O cutelo do despedimento sem justa causa e sem indemnização penderá a todo o momento sobre a sua cabeça. Tanto mais que o Governo já se encarregou de ameaçar os desempregados de perderem o subsídio se não aceitarem os ordenados de miséria que lhe oferecerem.

É claro que os patrões aplaudem com entusiasmo esta perspectiva de poderem contar com uma mão-de-obra dócil e barata. Mas os trabalhadores que, fartos de Sócrates, vêm em Passos Coelho, uma golfada de ar fresco é melhor que se preparem para o banho de água gelada que vão apanhar a seguir.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Ainda sobre a passagem directa do 8º para o 10º ano

Na resposta a um comentário ao meu penúltimo post n' a formiga de esopo, afirmei que a passagem dos alunos com mais de 15 anos que reprovarem no 8º para o 10º ano da escolaridade só me parecia viável caso os exames que fizessem fossem exames “a fingir”.

Não resisto agora à tentação de reproduzir aqui alguns depoimentos sobre o mesmo assunto que recolhi hoje do Diário de Notícias:

Nuno Crato, presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, em resposta à questão “Um aluno que chumbou a Matemática no 8º ano tem hipótese de passar no exame nacional do 9º ano?”, responde assim: “Só se os exames forem excepcionalmente simples, ainda mais do que já são, à partida não consegue. Um aluno que não tenha conseguido passar do 8º para o 9º, como é que, nos dois ou três meses que decorreram entre o tempo que surgiu essa possibilidade e o exame, vai aprender o suficiente para passar? Só se a prova não tivesse os conteúdos próprios de um exame do 3º ciclo, como se disse.

Rosário Gama, directora da Escola Secundária Infanta D. Maria II, de Coimbra, concorda que “não há” qualquer hipótese de sucesso para esses alunos. E acrescenta: “Espero que não haja. É muito mau para os jovens irem para o 10º ano sem aprender nada”.

Adalmiro Botelho da Fonseca, da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas afirma não ver “nenhum impacto [positivo] nessa lei (…). É uma perda de tempo. E um trabalho enorme que as escolas vão ter”.

Perder-se-á tempo a realizar de exames onde a reprovação seja que certa. E ganhar-se-á o quê se, em vez disso, se optar por “exames a fingir” com aprovação garantida?

Uma coisa é certa: a possibilidade de saltar do 8º para o 10º ano fica reservada aos alunos com uma história de reprovações. Para aqueles que se esforçaram para concluir com sucesso os primeiros oito anos da escolaridade obrigatória essa hipótese fica-lhes vedada. Donde se conclui que não estudar e reprovar até pode ser vantajoso…

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas

Para todos aqueles que partem para fugir ao desemprego e a salários de miséria, para os jovens licenciados que não encontram em Portugal trabalho onde se possam realizar, para os emigrantes portugueses espalhados por esse mundo fora, deixo aqui um poema de Afonso Duarte, musicado e cantado por Luís Cília.

sábado, 5 de junho de 2010

Estudar para quê?

Mais de trinta anos de experiência docente ensinaram-me que quanto menos se exige dos alunos, menos eles estudam, e quanto menos eles estudam, menor passa a ser o nível de exigência. Uns dizem que é assim que se combate o insucesso escolar, outros, mais avisados, dizem que é assim que ele tem sido camuflado.

Estes caminhos já são percorridos há muitos anos, mas agora foi dado mais um passo importante nesta direcção. Qualquer professor sabe que, actualmente, não é fácil reprovar até ao 9º ano. Contudo, há alunos que, de tanto se esforçarem, acabam por consegui-lo. Pois bem, ainda que não estejam para aí virados, vão ser quase obrigados a “progredir nos estudos”.

O Ministério da Educação decidiu que um aluno que esteja retido no 8º ano, já tenha feito 15 anos e não se importe de passar pela chatice de fazer aqueles dificílimos exames de Português e Matemática do 9º, pode avançar directamente para o 10º. Quanto às outras disciplinas que constam do currículo do 3º ciclo do ensino básico, pode não ter aproveitamento a nenhuma. Afinal, para que serve estudar Inglês, História, Ciências da Natureza?

A lei do menor esforço alcançou mais uma vitória e a qualidade do ensino nas escolas secundárias do ensino público vai sofrer as habituais consequências. As escolas privadas, sempre dispostas a receber os bons alunos desde que eles paguem devidamente, agradecem reconhecidas. Quanto aos alunos estudiosos mas sem posses, terão de se conformar em aprender apenas aquilo que os seus colegas que nunca gostaram de estudar deixarem. Há quem chame a isto “democratização do ensino”. Eu chamar-lhe-ia outros nomes...

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Mário Soares e as eleições para a Presidência da República

Demarcando-se da decisão do PS de apoiar a candidatura de Manuel Alegre, Mário Soares resolveu trilhar caminhos que já tinha percorrido em 1980.

Disputavam a Presidência da República Ramalho Eanes e Soares Carneiro. O governo estava, então nas mãos da Aliança Democrática (PPD + CDS + PPM) e era apoiado por uma maioria absoluta na AR. Sá Carneiro tinha fixado como objectivo conseguir um governo, uma maioria e um Presidente. Faltava-lhe apenas este último passo para alcançar os seus propósitos. Ramalho Eanes era o último obstáculo a vencer. E, reconhecendo-o, o PS declarou-lhe o seu apoio e o PCP desistiu à boca das urnas da candidatura de Carlos Brito para apelar ao voto no único candidato que se mostrava capaz de vencer o candidato da AD.

Contudo, Mário Soares, que era então o secretário-geral do PS, manifestou-se contra a decisão do seu partido. Ainda hoje, não se sabe em quem teria votado. Talvez em Pires Veloso que obteria 0,8% dos votos. Do que não há dúvida é que se tivesse conseguido arrastar consigo uma parte significativa do PS, a vitória nas presidenciais de 1980 talvez tivesse sorrido a Soares Carneiro e à Aliança Democrática. Por outro lado, derrotando Ramalho Eanes, ajustaria contas antigas com o Presidente da República cessante. Não resultou e ainda bem.

Há, com certeza, ingredientes diferentes nestas duas histórias. Manuel Alegre é militante do PS e um homem de esquerda, Ramalho Eanes não era uma coisa nem outra. Mas ambos ousaram a dada altura meter-se no caminho de Soares: Eanes não aceitou reconduzir um governo de Soares demitido na AR e Alegre apresentou-se como candidato independente nas últimas presidenciais, remetendo-o para 3º lugar com uns meros 14,3% dos votos. Essas "ofensas" Mário Soares não esquece e não hesita em colocar os seus ódios de estimação acima de quaisquer considerações políticas, mesmo quando isso pode significar oferecer a Presidência da República a um candidato apoiado pelos partidos da direita.

Será que, a médio prazo, Passos Coelho vai conseguir aquilo que Sá Carneiro ambicionava, um governo, uma maioria, um Presidente? Resta-nos a nós impedi-lo. Com Mário Soares, já se sabe, não se pode contar.

terça-feira, 1 de junho de 2010

A crise da social-democracia

A partir dos anos 80, os partidos social-democratas europeus enveredaram com maior ou menor convicção pela 3ª via defendida por Anthony Giddens, ou seja renderam-se à moda neoliberal que por todo o lado fazia o seu curso.

Os resultados estão à vista. Em França, na Itália e na Alemanha partidos assumidamente de direita encontram-se de pedra e cal no governo. Em Inglaterra, os Conservadores venceram as eleições. E em Portugal e Espanha, sondagens recentes prevêem que, se se realizassem eleições neste momento, os respectivos Partidos Socialistas sofreriam pesadas derrotas. Fazem-se apostas acerca da data das moções de censura que lhes darão a machadada final. Passos Coelho e Mariano Rajoy preparam-se para se juntar a Cameron, Sarkozy, Berlusconi e Merkl.

No seu último livro, ainda não publicado em Portugal (sê-lo-á, ao que parece, mo próximo trimestre), Tony Judt reflecte sobre o legado da social-democracia europeia. Não conheço a obra em questão, mas segundo as recensões críticas que li, confronta-o com o fracasso das sociedades totalitárias da Europa de Leste e com a crise económica e social para onde o neoliberalismo nos lançou, para nos recordar os sucessos alcançados nos anos 50-60 em termos de diminuição das desigualdades sociais, do reforço da protecção social, dos progressos realizados ao nível da Saúde pública e da Educação.

Sem escamotear nenhum dos resultados então obtidos e que, confrontados com a situação existente nos anos que antecederam a 2ª Guerra Mundial, se traduziram numa melhoria inquestionável das condições de vida na Europa ocidental, é legítimo perguntar se Tony Judt nos coloca diante de um programa político para os tempos que vêm ou se a sua reflexão se traduz apenas numa revisão nostálgica do passado.

É que, entretanto, o mundo mudou. A entrada das economias europeias numa fase de estagnação, a globalização capitalista, a afirmação da China como grande potência, a extrema volatilidade dos mercados de capitais, vieram alterar radicalmente os dados do problema.

Dificilmente velhas receitas servirão para resolver novos problemas. Contudo, do legado social-democrata ficam-nos referências fundamentais. A liberdade e a tolerância, o respeito pelos direitos humanos e a ambição de uma maior justiça social, não podem ser abandonados como princípios orientadores da acção política. Falta saber como podem e devem ser defendidos no mundo de hoje. Fracassadas as experiências da terceira via, é esse o grande desafio que actualmente se coloca à social-democracia europeia.