domingo, 28 de fevereiro de 2010

A semana em revista…

Razões variadas (os chamados “motivos de força maior”) obrigaram esta formiga a descansar durante uma semana. De regresso ao trabalho, valerá a pena rever a matéria dada. Passo em revista três acontecimentos da política nacional:

1) Madeira. Sobre a tragédia que se abateu sobre a Madeira já foi tudo dito: Lamentaram-se as vítimas, as destruições e os prejuízos; foram denunciados os erros de planeamento (desflorestação das encostas, construção em leito de cheia, entubamento e afunilamento das ribeiras) que agravaram as consequências de uma precipitação anormal, provocando enxurradas particularmente destruidoras; foi sublinhada a onda de solidariedade nacional e a corajosa mobilização da população da ilha nas tarefas de desobstrução e limpeza. Resta esperar que os trabalhos de reconstrução permitam corrigir os erros de planeamento que esta catástrofe tornou evidentes.

2) Caso Face Oculta. Os desenvolvimentos mais recentes quase fizeram esquecer as actividades do sucateiro Manuel Godinho e vieram chamar a atenção para a questão da liberdade de expressão. Sobre esta matéria, manda o bom senso que se comece por afirmar que os meios de comunicação social não estão controlados pelo governo. Posto isto, é importante dizer que estamos longe duma situação ideal. Empresas de comunicação social em situação de fragilidade económica são mais facilmente permeáveis a pressões vindas das entidades financiadoras de que dependem. Dependentes destas, as administrações não se eximem de pressionar as redacções e jornalistas, em situação de precariedade laboral, são confrontados com dilemas difíceis de resolver. Quando, nesta “cadeia de comando”, se introduzem boys, altamente empenhados em servir um “chefe” que não se coíbe em transformar jornalistas em inimigos públicos, então ficam reunidos todos os ingredientes necessários ao levantamento das mais legítimas suspeições. Esperam-se novos desenvolvimentos, que o caso está longe de ter chegado ao fim.

3) OGE e PEC. Os partidos da oposição assinalaram já as suas posições de partida para a discussão na especialidade do Orçamento de Estado. Quanto ao Plano de Estabilidade e Crescimento continua no segredo dos deuses. São dois documentos que vão definir largamente o nosso futuro próximo. Desde logo existem questões básicas das quais não se pode fugir: a) as despesas públicas não são cobertas (longe disso!) pelas receitas do Estado; b) a diferença é coberta pelo endividamento externo; c) o governo (e, mais ainda, os partidos da oposição) dificilmente pode regatear os termos dos empréstimos contraídos; d) nestas condições, se não forem dados sinais muito evidentes de diminuição da despesa pública e de aumento das receitas, é inevitável a subida das taxas de juro cobradas pelos mercados financeiros internacionais; e) e isso condicionará fatalmente qualquer veleidade de recuperação económica. Resta-nos a débil esperança de que as medidas de austeridade que se avizinham não atinjam sobretudo os mais fracos, retirando-se, respeitosamente, diante dos interesses dos poderosos. Será essa a nossa luta.

Só mais uma palavra a propósito do investimento público. Parece-me que num contexto de crise terá de ser o motor da recuperação económica. Mas nem todo o investimento público é bom. Há que privilegiar os investimentos que se traduzam na criação a curto prazo de postos de trabalho em detrimento de grandes obras públicas que vão sobrecarregar extraordinariamente a dívida pública e cujos benefícios económicos (quando existem) só se vislumbram a longo prazo. E há que garantir que o investimento público não se traduza sistematicamente no benefício das grandes empresas, as “amigas” do costume, mas favoreça de facto a dinamização do nosso tecido empresarial formado, como se sabe, por pequenas e médias empresas.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Fernando Nobre, candidato à Presidência da República

Fernando Nobre é um homem generoso e bom. Um idealista no melhor sentido do termo, um homens com ideais num mundo onde o cinismo prospera. E é, não tenho disto qualquer dúvida, uma pessoa que jamais violará a sua consciência para se vergar seja diante de quem for.

Tive a oportunidade de conversar com ele uns 10 minutos no dia do comício de encerramento da campanha do Bloco para as Europeias. Fernando Nobre era o mandatário da lista encabeçada por Miguel Portas. Disse-me então que concordava com 90% das propostas apresentadas pelo BE, mas não se coibiu de referir algumas das suas ideias que cabiam nos outros 10% e posso garantir que não eram divergências menores.

Nesse mesmo ano, foi mandatário de António Costa nas eleições para a Câmara de Lisboa e de António Capucho para a de Cascais.

Quando afirma que se apresenta como um candidato independente, não tenho razão nenhuma para duvidar que assim seja. E, no entanto, parece-me que com a sua candidatura à Presidência da República, a busca desesperada da ala soarista do PS para encontrar um candidato que pudesse contrapor a Manuel Alegre chegou ao fim.

A sua candidatura não me parece ganhadora. Faltam-lhe desde logo as estruturas implantadas no terreno que são indispensáveis à organização de uma campanha eleitoral. Só as conseguiria com o apoio de José Sócrates, mas esse seria então o seu único apoio e seria como que um presente envenenado.

Continuo a pensar que Manuel Alegre continua a ser o candidato com mais possibilidades de derrotar Cavaco Silva. Alegre pode beneficiar com o apoio de Sócrates mas, como as últimas Presidenciais já o demonstraram, não depende dele. Alegre pode organizar uma campanha eleitoral mobilizadora sem depender do apoio de um qualquer aparelho partidário. Fernando Nobre não.

A candidatura de Fernando Nobre não vai afectar significativamente Cavaco Silva, mas vai dividir o eleitorado que se lhe opõe. Resta-nos esperar que Cavaco não seja eleito na 1ª volta. Na 2ª, votarei no candidato que o confronte. Se estiver enganado e se esse candidato for Fernando Nobre, apoiá-lo-ei sem quaiquer reticências.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O que nos dizem as últimas sondagens?

Confrontando as sondagens da Aximage e da Eurosondagem com os resultados das Legislativas de 2009, a resposta parece óbvia: este ano não haverá eleições antecipadas. Não nos trariam resultados eleitorais substancialmente diferentes dos das últimas legislativas e todos os partidos o sabem. A situação das finanças públicas sairia agravada pela reacção dos mercados financeiros internacionais dos quais largamente depende. E o eleitorado penalizaria fortemente aqueles que considerassem ser responsáveis pelo derrube do governo poucos meses após a sua tomada de posse.

Entretanto, o PS fez opções perigosas. Eliminou todas as possíveis hipóteses de entendimento com os partidos à sua esquerda e, portanto, ficou na mais completa dependência do PSD e do CDS-PP. Até quando poderá contar com a benevolência destes partidos? Até ao momento em que eles se sintam suficientemente fortes para poderem aspirar à renovação duma maioria absoluta de direita na AR. A sondagem mais recente, a da Eurosondagem, dá-lhes 40,5% (26,9% para o PSD mais 13,6% para o CDS-PP). Ainda não chega…

A tendência para a subida do CDS-PP parece indesmentível (10,4% nas Legislativas de 2009, 12,1 na sondagem da Aximage, 13,6 na da Eurosondagem) e a do PSD é previsível a partir do momento em que resolva o seu problema de liderança. Nenhum deles tem pressa, o tempo corre a seu favor. Vão esperar pacientemente pelo desgaste do governo porque sabem que, mais cedo ou mais tarde, o poder lhes vai cair nas mãos.

Não estou a ver o que é que o PS que, insisto, optou por cortar todas as possibilidades de relacionamento com os partidos à sua esquerda, possa fazer para o evitar. Evitar o que, neste momento , parece inevitável, obrigaria o PS a rever as suas opções estratégicas e, desde logo, a resover quanto antes o "problema Sócrates".

sábado, 13 de fevereiro de 2010

LIVROS : APONTAMENTOS À MARGEM

Somerset Maugham

Servidão Humana

Asa, 2009.

Adquiri Servidão Humana porque um cliente disse-me maravilhas de Somerset Maugham e especialmente deste livro: "que merecia ser lido e apreciado como uma verdadeira obra prima"."Somerset Maugham foi um escritor muito apreciado e lido até a década de 70, tido como um autor pertencente aos clássicos, no mesmo patamar de Dostóievski, Tolstoi ou Hemingway" - disse ainda.
Aqui acompanhamos a estória de Philip Carey, uma criança tímida que perde os pais ainda muito novo, adoptado pelos tios e com eles vai viver. Philip nasce com um pé boto o que vai desempenhar um papel fundamental para lhe moldar o carácter, tímido, fechando-o aos poucos para o mundo. Num mundo seu, cheio de medos e angústias e devido à sua proximidade com o divino (o seu tio é pároco) ele resolve pedir um desejo a Deus: "Cura-me o meu pé boto!"
Acompanhamos então percurso do jovem Philip até á sua maioridade. Estudaremos com ele pintura em Paris e medicina em Londres. Apaixonar-nos-emos pelas mesmas mulheres que Philip e, desses amores, sofreremos desilusões atrozes e choraremos com ele, humilhados, completamente esquecidos e isolados do mundo. Vemo-lo abandonar fé em que fora criado, e sentir uma sensação de liberdade tão avassaladora quanto ilusória, pois manterá intacta a moral que lhe é inerente. Vemo-lo descartar-se de vícios e virtudes rejeitar os princípios assentes do bem e do mal, com a ideia de encontrar por si mesmo uma norma, um padrão de vida.
Confesso que o primeiro terço foi difícil de ler, até um pouco maçador. Fico com a sensação de que Servidão Humana é uma obra a que terei que voltar com os mesmos olhos, mas outro saber, talvez daqui a 10... 20 anos.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Problemas…

O PS tem um problema… Não me refiro, está claro, aos vários “problemas” que Sócrates já resolveu em órgãos da comunicação social que tiveram o mau gosto de o criticar. Nem sequer aos “problemas” Mário Crespo e Medina Carreira que vão ser mais difíceis de resolver. Não, o problema de PS é outro e mais complicado. O problema do PS chama-se José Sócrates. E põe-se assim: o que fazer do chefe quando ele está cada vez mais desacreditado?

(Recordo que Pedro Magalhães, no seu blogue Margens de Erro, já chamou a atenção para o facto de haver sondagens de opinião que indicam que a descida de popularidade do primeiro-ministro está em queda, desde as últimas eleições, ao ritmo de um ponto por mês.)

Então, o que fazer de Sócrates? Ah, se houvesse a possibilidade de uma saída por cima tipo Durão Barroso… Ou, pelo menos, de uma saída honrosa tipo Vítor Constâncio… Mas quem é que, nas arenas internacionais, poderá estar interessado nele? Quais são, afinal, as competências do nosso engenheiro?

E, no entanto, se se arranjasse qualquer coisinha lá fora, o PS só ficaria a ganhar.

O PSD também tem um problema. Digamos que é um problema simétrico ao do PS. Num caso, trata-se de despachar o chefe, no outro trata-se de arranjar um. Quem há-de ser? Pedro Passos Coelho, o que quer “Mudar”, ou Paulo Rangel, que prefere “Romper”? Do primeiro, suspeita-se que quer radicalizar as opções neoliberais do PSD. Não era ele quem queria há uns anos atrás privatizar a CGD, solução que, para já, não acha oportuna? Não é essa, contudo, a opinião do segundo, que numa entrevista ao Público (11-2-10), afirmou ser “injusto o epíteto de liberal que põem ao Dr. Passos Coelho”. Na sua opinião este tende mais para o “bloco central”. Isto, embora ninguém saiba (porque nunca o quis esclarecer) como é que teria votado o OGE. Enfim, falta saber o que dirá Aguiar Branco, mas, desde logo, é evidente que já arranjou um problema chamado Paulo Rangel. Provavelmente, quem resolveu o dele foi Passos Coelho.

Enfim, nós também temos um problema: como vamos construir uma alternativa de esquerda que nos permita sair da crise sem esmagar os direitos sociais duma população já muito sacrificada e empobrecida? Quem vai resolver os nossos problemas?
Post Scriptum:
1) Rui Pedro Soares tentou através duma providência cautelar evitar a saída do SOL da próxima 6ª feira, dia 12-2-10.
2) Quem é este senhor? Tem 36 anos, é licenciado em Marketing e é administrador-executivo da PT. Além dissso, é militante do PS e foi um apoiante activo da candidatura de Sócrates a secretário-geral do Partido. Nas escutas já divulgadas trata-o por "o chefe".
3) Contrariando a decisão do tribunal e em nome do interesse público, o SOL vai estar nas bancas amanhã. Imagina-se que esta edição vá ter uma procura desusada.
4) Ficam as seguinte dúvidas: depois da "semana negra" que está a chegar ao fim (caso Mário Crespo, primeiras escutas divulgadas na edição anterior do SOL, caso da fingida ameaça de demissão por causa da Lei das Finanças Regionais e, agora, esta tentativa desajeitada de censura prévia), qual será a dimensão da queda das intenções de voto no PS e da popularidade do 1º ministro nas próximas sondagens de opinião? Até quando é que o PS poderá conviver com o "problema José Sócrates"

sábado, 6 de fevereiro de 2010

abissus abissum invocat

Jenny Holzer, de Survival (1983-85), Estádio de Wembley, 1988

As propostas do CDS-PP apresentadas na Comissão Parlamentar foram aprovadas com os votos de todos os partidos da oposição no Plenário da Assembleia da República. Foram ainda aprovadas propostas do Bloco (o único partido que na Assembleia Regional da Madeira não votou a favor da correcção da Lei das Finanças Regionais de 2007 propostas por Jardim) no sentido de evitar no futuro o descontrolado despesismo do Governo Regional. O PS votou vencido, mas está afastada a hipótese desta crise política resultar na demissão do governo. Dir-se-ia que tudo está bem quando acaba bem. Contudo, a tentação das eleições antecipadas permanece no íntimo de todos os partidos.

O PS tem saudades da maioria absoluta que perdeu e sonha com a possibilidade de a recuperar; CDS-PP pensa que novas eleições se traduziriam no crescimento do partido e no reforço da sua posição negocial; o BE pensa continuar a crescer à custa da impopularidade do governo; o PCP quererá abandonar o incómodo 5º lugar que actualmente ocupa na AR; e o próximo presidente do PSD, seja ele qual for, gostaria de ver a sua liderança reforçada por uma vitória eleitoral, ainda que esta não passasse de uma vitória de Pirro.

Receio bem que todos persigam quimeras. Como já afirmei aqui, o mais provável vencedor duma próxima eleição antecipada é o FMI.

Gostaria que se pesassem não apenas a bondade das razões, mas também as consequências dos actos a que podem dar origem. No entanto, parece-me que a corrida para o abismo vai continuar. Recorda-me um conto de Trindade Coelho chamado Abissus abissum. Conta a história de dois miúdos que se apoderaram de um barco a remos. Um pecado sem importância. Aliás, queriam apenas descer o rio até alcançarem uma estrela que brilhava intensamente no céu e que parecia estar mesmo já ali, à sua frente…

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A controvérsia a propósito da Lei das Finanças Regionais

Parece afastada a hipótese de demissão do governo

Aprovado na Comissão Parlamentar com o acordo de todos os partidos da oposição e o voto contra do PS um projecto de revisão de lei de 2007 proposto pelo CDS-PP, o país ficou à espera da reacção do governo.

A ameaça de demissão pairava no ar e todos sabíamos que consequências daí adviriam. A convocação de eleições antecipadas não iria alterar substancialmente o actual quadro parlamentar, mas perfilava-se desde logo a figura dum “vencedor” – o FMI. E já todos conhecemos o seu programa de governo: descida de salários, aumento de impostos, desinvestimento público, redução das despesas com a Saúde, a Educação e a Segurança Social. Quem seriam os ministros que seriam chamados a pô-lo em prática, seria uma questão secundária.

Depois da conferência de imprensa de Teixeira dos Santos, ficamos com a ideia de que prevaleceu o bom senso. Contudo, a irredutibilidade do governo anuncia que há questões que ficam apenas adiadas. Ao recusar qualquer hipótese de diálogo com os partidos à sua esquerda, o PS entrega-se nas mãos do PSD e do CDS-PP. Quando se tratou do OGE, conseguiu a abstenção desses partidos, agora, a propósito da Lei das Finaças Regionais, entraram em rota de colisão. Como será no futuro? Adivinham-se novos "casos" e há muitas razões para duvidar que este governo chegue ao fim da legislatura. Na verdade, vêm aí tempos escuros.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Manuel Alegre – uma candidatura para vencer

Manuel Alegre, num almoço promovido pelo MIC (Movimento de Intervenção e Cidadania) realizado no Porto para comemorar o 31 de Janeiro, reafirmou a independência da sua candidatura em relação a qualquer apoio partidário.

Demarcou-se assim de Cavaco Silva, que tem aparecido como o grilo falante de um PSD reduzido à condição de um triste Pinóquio. Manuel Alegre não quer liderar a oposição nem construir nenhum governo sombra a partir da Presidência, tal como não quer ser um simples corta-fitas coarctado por qualquer acordo com o partido do governo. A sua magistratura propõe-se ser uma magistratura de influência à qual nunca serão estranhas as preocupações com a qualidade da democracia que sempre soube demonstrar ao longo da sua carreira política.

É na sua independência de qualquer apoio partidário (e querer fazer dele o “candidato do Bloco de Esquerda” é simplesmente ridículo) que reside a sua força e a sua capacidade para aglutinar apoios nas mais diferenciadas áreas políticas. Pelo contrário, qualquer outro candidato que entretanto possa surgir empurrado para a frente pelo sector soarista do PS (Vítor Ramalho) ou pela sua ala mais direitista e autoritária (José Lello, Vitalino Canas) estará sempre condicionado pelas condições impostas por esses apoios. E, na prática, não chegará sequer a ser “o candidato do PS”, mas o candidato duma fracção desse partido. Aliás, duvido que, por mais que procurem, encontrem alguém que se disponha a repetir a triste experiência da candidatura de Mário Soares.

Não será fácil vencer Cavaco Silva. Nenhum Presidente, antes dele, deixou de ser reeleito. Mas, se há alguém que o pode derrotar, é Manuel Alegre. A sua candidatura é uma candidatura para vencer e não para “marcar posição”. Só não a apoiarão aqueles que preferirem ver Cavaco renovar o seu mandato, mesmo sabendo que, num contexto de maioria relativa, ele dificilmente resistirá à tentação de liderar a oposição ou de governar o país a partir de Belém.