quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O Bloco de Esquerda vai entrar na segunda década da sua existência...

O Bloco de Esquerda completou dez anos de vida. Não fui um dos pais fundadores, mas também pertenço à família e tenho acompanhado o crescimento do miúdo desde o seu nascimento.

No princípio, era uma criança amorosa. Toda a gente lhe achava muita gracinha e gostava dele. Depois, ganhou corpo, ficou mais alto e mais forte. Mas também, como todos os adolescentes, ficou um bocado mais chato. Por vezes, é difícil de aturar. Sente uma enorme necessidade de auto-afirmação e, como tal, quer-se diferente dos outros. Não usa gravata. Parece estar sempre “no contra” e diga-se que muitas vezes tem razões para isso. Mas, apesar de estar convencido de que já sabe tudo, na verdade ainda não sabe muito bem o que quer ser quando for grande.

Há-de amadurecer, como todos os adolescentes. A idade adulta pode revelar-se de muitas maneiras. Há aqueles que envelhecem guardando como um bem precioso os seus ideais juvenis. Mas há também quem, com o tempo, se torne céptico, amargo, calculista e interesseiro.

Nalguns casos, a idade traz consigo a sabedoria. Aprendemos com as nossas experiências, tornámo-nos mais disponíveis para ouvir os outros e menos confiantes na infalibilidade das nossas opiniões. Mas, com a idade, também pode vir a casmurrice: “Já estou velho demais para estar agora a mudar de ideias”. E continua-se a insistir naquilo que sempre se defendeu, mesmo quando a realidade insiste em desmentir a validade de antigas crenças.

Espero que o Bloco continue a crescer. Só posso desejar-lhe as maiores felicidades. Pela parte que me toca, eu, que já “ando na política” há uns 40 anos, tenciono não me esquecer de um poema do Brecht, “Vem comigo para a Georgià”. Diz assim:

1

Olha esta cidade e vê: está velha,
Lembra-te, que bonita ela parecia!
Agora não a olhes c’o coração, mas com a mente fria
E diz: está velha.

Vem comigo para a Geórgià.
Ali, sim, vamos erguer uma nova cidade.
E quando tiver pedras de mais esta cidade
Então não ficamos mais lá.

2

Olha esta mulher e vê: está velha.
Lembra-te, que linda outrora ela par’cia!
Agora não a olhes c’o coração, mas com mente fria
E diz: está velha.

Vem comigo para a Georgià
Ali, se quiseres, temos novas mulheres,
E quando envelhecerem também estas mulheres
Então não ficamos mais lá.

3

Olha as tuas opiniões e vê: que velhas estão.
Lembra-te como faziam um vistão!
Agora olha-as com mente fria, não c’o coração
E diz: Que velhas ‘stão!

Vem comigo para a Geórgià.
Ali, vais ver, há ideias novas.
E quando elas não par’cerem mais novas
Então não ficamos mais lá.

(trad. de Paulo Quintela)

Deixo-o aqui como um voto de um Feliz Ano Novo. Que o Bloco continue a crescer sem que a idade lhe tolha aquela abertura de espírito que nos permite aprender com a vida e acolher ideias novas.

domingo, 27 de dezembro de 2009

ops! Que futuro para a esquerda?

Das últimas eleições saiu uma ”maioria de esquerda”? Não se nota. É verdade que, pelo menos até agora, também não parece ser evidente a existência de uma maioria de direita. O que é patente é um estado de desorientação geral. Embora a situação política se tenha modificado, os diferentes partidos continuam a desempenhar os papéis a que se habituaram durante os últimos quatro anos e meio: Sócrates gostaria de governar como se tivesse maioria absoluta, os outros partidos continuam a ver-se como uma oposição que considera que a sua missão está cumprida a partir do momento em que se demarca do do governo.

Entretanto, faz-se navegação de cabotagem. Ninguém parece obedecer a um pensamento estratégico capaz de pensar globalmente todos os grandes problemas que nos afectam: o desemprego, a falta de competitividade das empresas, o défice da balança comercial, a dívida pública. Se dizem ter soluções, ninguém parece disposto a congregar os apoios que as viabilizem. Também ninguém diz pretender eleições antecipadas, mas a preocupação dominante de cada um parece ser a de segurar o seu eleitorado para o caso delas virem aí…

E, quando assim é, elas forçosamente acabarão por surgir. Verificar-se-á, depois, que tudo ficou mais ou menos na mesma. Menos o país, que estará pior.

Talvez haja uma excepção neste quadro desolador: O CDS-PP parece ser o único partido que tem uma estratégia coerente e soma a isso a vantagem de poder oferecer ao PS uma maioria parlamentar, está disposto a negociar sem complexos os seus apoios – e está a subir nas sondagens. Paulo Portas sabe exactamente para onde quer ir. Para mim, o problema é que não quero ir por aí.

Fica, portanto, a pergunta: o que é que quer a esquerda? Tenho sido um leitor assíduo e interessado da revista ops!, editada on line por apoiantes de Manuel Alegre e que tem procurado respostas para aquela questão. Agora que saiu a brochura que recolhe uma selecção de artigos publicados nos seus primeiros quatro números, vale a pena reler o que aí foi publicado sobre Trabalho e Sindicalismo, sobre o Ensino, sobre a Crise económica e financeira e sobre as suas consequências sociais e sobre Urbanismo e Corrupção.

Mas vou deter-me apenas sobre o breve prefácio de Manuel Alegre. A actual crise económica, diz-nos, não encontrou uma resposta à altura por parte da esquerda. Pelo contrário: por um lado, a deriva neoliberal da social-democracia e, por outro, o conservadorismo de uma esquerda que continua agarrada a “mal recauchutados modelos que faliram com a queda do muro de Berlim”, abriram caminho a uma direita (no poder em França, na Alemanha, em Itália, favorita na Inglaterra, maioritária no Parlamento Europeu…) que não sendo capaz de questionar as causas da crise, propõe políticas que “podem produzir os mesmos efeitos, porventura mais agravados”.

Para construir uma solução possível dever-se-ia começar por juntar forças à esquerda, encontrando um “mínimo denominador comum pelo menos no que respeita às políticas públicas, ao papel do Estado, à Escola Pública, ao Código Laboral, e aos direitos sociais, nomeadamente ao Serviço Nacional de Saúde”. Segundo Manuel Alegre, a possibilidade dessa convergência ficou demonstrada pelo acordo entre António Costa e Helena Roseta, ao qual se associaram muitas outras personalidades de esquerda, nas últimas eleições autárquicas. Convém, no entanto, não esquecer que o PCP e o BE se auto-excluíram dessa coligação. Aliás, o eleitorado penalizou-os por isso. Terão tirado daí algumas lições?

A questão que me parece fulcral é a de que todas as possíveis convergências pontuais se encontram irremediavelmente condicionadas por orientações estratégicas definidas a partir de “concepções de modelos de sociedade aparentemente incompatíveis”. Tanto Francisco Louçã como Jerónimo de Sousa dizem ter como meta o socialismo. Mas o que é que entendem por isso? Enquanto cada um deles estiver convencido que apenas o “seu” socialismo vale, olhará sempre para os outros como “idiotas úteis” que, sob certas condições, lhes poderão ajudar a levar a água ao seu moinho.

Poder-se-á ir além destas contas de merceeiro e caminhar para uma grande esquerda, mobilizada em torno de um projecto de transformação social? Tenho que confessar o meu cepticismo em relação ao PCP. Não vejo a “vanguarda da classe operária” a participar num debate franco e aberto com a "pequena-burguesia” a propósito do futuro do socialismo. O PS e o BE são diferentes, não são partidos monolíticos nem estão enfeudados a dogmas inquestionáveis. Contudo, vinte anos após o colapso do “socialismo real” o debate em torno daquilo que significa um projecto socialista encontra-se, em Portugal, praticamente na estaca zero. Diria mesmo que se encontra sufocado por um poderoso tabu.

Ressalvo uma excepção: uma série de posts que Jorge Bateira, colaborador da ops!, tem publicado no Ladrões de Bicicletas. Infelizmente, sem a repercussão que mereciam. Quem tem a coragem de aceitar debater as ideias que têm sido aí defendidas?

domingo, 20 de dezembro de 2009

Boas notícias e alguns “mas”

A semana que agora chega ao fim veio confirmar o ambiente politicamente depressivo em que estamos a viver. Tento reagir a isso tomando nota de algumas boas notícias:

1. A luta de Aimanatu Haidar saldou-se por uma vitória. O governo marroquino foi obrigado a ceder a corajosa resistente sahauri já se encontra em casa. Mas… Marrocos continua a ocupar a maior parte do território do Sahara Ocidental, nomeadamente os territórios ricos em fosfatos e a costa atlântica que lhe permite controlar uma importante zona pesqueira. Embora seja reconhecida por 95 Estado e seja membro de pleno direito da OUA, a República Árabe Sahauri Democrática tem ainda um longo e difícil caminho a percorrer para fazer valer os seus direitos.

2. O salário mínimo vai subir par 475 euros. Apesar dos protestos cãs confederações patronais, confirma-se agora o que anteriormente tinha sido acordado em sede de Concertação Social. Mas… soube-se que, mesmo depois desse aumento, o este salário mínimo não irá repor o poder de compra daquele que vigorava em 1974. Em Portugal, ter trabalho (e há tantos que nem isso têm…) não significa escapar à pobreza. Também nesta matéria nos fica um longo e difícil caminho para percorrer.

3. O casamento entre duas pessoas do mesmo sexo vai ser possível. Dir-se-ia que se cumpre, assim, a determinação constitucional que afirma que ninguém pode ser discriminado em função da sua orientação sexual. Mas… o projecto do PS não prevê a possibilidade de adopção por casais homossexuais. É, ainda, um casamento “de 2ª” aquele que agora se autoriza. Note-se que existem já muitas crianças a viver no seio de famílias formadas por pessoas do mesmo sexo. É o caso daquelas que nasceram de uma primeira relação heterossexual que se desfez, tendo ficado a viver com a mãe ou com o pai que, depois, estabeleceram uma nova relação homossexual. Ou que foram adoptadas por uma mulher solteira que, entretanto, passou a viver em união de facto com outra mulher. Ainda recentemente tivemos notícia de um casal que entregou o seu filho à guarda de um tio que vive em união de facto com outro homem. Ao contrário do que tantas vezes se sabe acerca das condições deploráveis em que vivem muitas crianças criadas em orfanatos, ninguém tem notícias que contrariem os bons resultados daquelas situações. Mas a luta contra os preconceitos sociais não será fácil.

Nota final: nenhum dos “mas” transforma as “boas notícias” em “más notícias”. Significam apenas que, depois de dados alguns primeiros passos, outros terão que se lhes seguir.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

A Cimeira de Copenhaga

A Cimeira de Copenhaga entra hoje na sua fase final. Poucos terão dúvidas acerca da importância daquilo que está em jogo. Mas, apesar das consequências do aquecimento global nos atingirem a todos, apesar de um eventual fracasso só deixar lugar para vencidos, nem por isso os principais responsáveis pela situação existente parecem ter desistido de regatear a factura daquilo que poderia ser um primeiro passo para uma solução. Somos como um doente que, às portas da morte, discute o preço do medicamento que o poderá salvar.

Não quero antecipar cenários. Veremos como decorrerão estes últimos dias. Entretanto, descubro entre os meus apontamentos um texto, escrito há anos e nunca publicado. Faço-o agora, admitindo que possa contribuir para um debate cujos contornos políticos e ideológicos são inevitáveis.


ECONOMIA, ECOLOGIA E SOCIALISMO

"Não é da benevolência do talhante que esperamos o nosso jantar, mas da sua consideração do interesse próprio”. A conhecida afirmação colhida da Riqueza das Nações resume as ideias de Adam Smith acerca da inexistência de uma contradição entre o interesse privado e o interesse público.

O interesse particular do empresário fá-lo querer obter lucros e acumular riqueza, mas isso só é possível na medida em que há uma grande procura daquilo que produz. E esse facto implica a condição desses produtos superarem os da concorrência pela sua qualidade e/ou preço. Assim, da conjugação da iniciativa privada com o mercado resultaria o desenvolvimento da produção e a satisfação das necessidades colectivas.

Mas Adam Smith vai mais longe. Considera ele que o aumento da produção cria um quantitativo de riqueza que excede de longe as capacidades de consumo dos empresários, acabando por ser, em grande parte, distribuída pela população em geral. De tal forma que, afirma, um pobre de um país industrializado dispõe de um nível de vida que um chefe de uma tribo africana não tem.

Portanto, e em conclusão, o enriquecimento da burguesia acabaria por se traduzir em benefício do povo.

Como se sabe, Marx denunciou a falsidade desta visão idílica do liberalismo. Neste momento, porém, não está nas nossas intenções proceder à análise das suas teses acerca da queda tendencial da taxa de lucro, da progressiva pauperização da classe operária ou do mecanismo das crises de superprodução. Bastar-nos-á constatar que, mesmo nos países economicamente mais desenvolvidos, como é o caso dos EUA, continuam a haver bolsas de pobreza extrema.

A questão que aqui gostaríamos de pôr é a de saber se as concepções de Adam Smith se aplicam à escala das relações entre diferentes países e regiões do mundo. Ou seja: se o enriquecimento dos países mais industrializados arrasta necessariamente consigo o dos países em vias de desenvolvimento, beneficiando os seus povos.

Hoje parece indesmentível que tal facto não acontece: o enriquecimento dos primeiros, não só não favorece o enriquecimento dos mais pobres, como implica a permanência dos países em via do terceiro mundo em níveis de pobreza inaceitáveis, sob pena de ocorrer uma catástrofe ecológica de proporções extraordinariamente gravosas.

Isto é assim porque existem limites ao crescimento económico impostos pela defesa do equilíbrio ecológico. Aquilo que Adam Smith não teve em conta foi que os recursos naturais são limitados, assim como são limitadas as capacidades do planeta e da atmosfera que o envolve para suportar os lixos decorrentes da produção e consumo de mercadorias.

Acontece que tais limites se encontram já ultrapassados. E isso acontece num momento em que grande parte da humanidade dificilmente é capaz de aceder a bens cujo usufruto se tornou vulgar nos países industrializados. Pergunta-se: o que ocorreria se, na China ou na Índia, países onde vive mais de um terço da população mundial, se aí a percentagem de automóveis por habitante fosse igual à dos Estados Unidos?

É certamente necessário mudar hábitos de vida e de consumo. Mas não é defensável que, em nome da defesa do ambiente, grande parte da população deva ser mantida no subdesenvolvimento para que uma minoria possa manter, no essencial, os seus padrões de vida actuais. O egoísmo dos mais ricos não é compatível, como pretendia Adam Smith, com o interesse dos mais pobres.

Por outro lado, as capacidades produtivas alcançadas são suficientes para garantir a todos, condições de vida satisfatórias. O fim da pobreza não é impossível. Apenas não é resolúvel em termos de um crescimento insustentável, mas de racionalidade económica e distribuição equitativa da riqueza.

Contudo, isto não depende da iniciativa privada e da intervenção do mercado. Exige uma política socialista. Ou seja, uma política onde, quer no plano da produção como no do consumo, se subordinam os interesses privados aos interesses colectivos.

sábado, 12 de dezembro de 2009


Jantar de Homenagem a

Henrique Barreto Nunes


É já dia 8 de Janeiro, no Mosteiro de Tibães, que as associações cívicas e culturais ASPA, Associação Cultural Sá de Miranda e a Velha-a-Branca promovem, no Mosteiro de Tibães, um jantar de homenagem ao ex-director da Biblioteca Pública de Braga, Henrique Barreto Nunes.
Com este jantar e respectivo programa cultural, as associações referidas e amigos, que, estou certo, se contarão por muitos, pretendem evocar e celebrar as causas de sempre de um homem que é um exemplo de luta constante pela afirmação cívica, cultural e democrática da cidade de Braga.


Inscrições:
- durante o dia - Livraria Centésima Página (Av. Central, 118-120)
- à noite - Velha-a-Branca (Largo da Senhora-a-Branca, 23)

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009



SOLIDARIEDADE COM

AMIETU HAIDAR

Amietu Haidar está há 25 dias em greve de fome, no aeroporto de Lanzarote, Canárias. Recusa ser alimentada à força num hospital e encontra-se em risco de vida.

O que reivindica? O direito de se poder juntar à sua família em El Aiún, capital do Sahara Ocidental.

Por que é que esse direito lhe é negado? O seu “crime” é ter defendido, nomeadamente junto de várias instâncias internacionais, o direito do Sahara Ocidental à autodeterminação, o que tem sido negado por Marrocos que, desde 1976, ocupa a quase totalidade do território desta ex-colónia espanhola.

Hoje é o Dia Internacional dos Direitos do Homem. Entre eles, contam-se: a proibição de exílio arbitrário, a liberdade de deslocação e residência, o direito à expressão e informação, o de participação na vida pública.

Aimatu Haidar está disposta a sacrificar a sua vida em nome destes direitos fundamentais. Poderá o rei de Marrocos permanecer indiferente a este sacrifício sem se cobrir de vergonha?

Sabemos que Marrocos não pretende reconhecer o direito do Sahara Ocidental à autodeterminação porque quer garantir a posse de territórios ricos em fosfatos e o controle de uma importante zona pesqueira. Julga que respeitar os direitos de Aimanatu Haidar poderia ser interpretado como uma perigosa cedência. Conhecemos também as tímidas atitudes daqueles que, na Europa, consideram ser seu dever, antes de mais, não hostilizar um país com quem têm boas relações comerciais.

Será que, desta vez, na balança da Justiça, o prato dos Direitos Humanos vai pesar mais do que o dos interesses materiais? Ou vamos assistir de novo ao triunfo da hipocrisia e do cinismo?

domingo, 6 de dezembro de 2009

ACERCA DOS QUE POR AÍ ANDAM

BRASILEIRAS E BRASILEIROS

Joel Neto, em artigo de opinião para a Noticias Sábado do JN de ontem escreveu exatamente aquilo que penso, e nunca fui capaz de pôr por escrito de uma forma tão límpida, acerca das brasileiras e brasileiros que buscam este retângulo frequentemente pequenino e provinciano.

Por isso aqui vos deixo o artigo na integra:

"Num doce balanço, a caminho do mar

Como se já não bastassem os gays, agora temos as brasileiras. Todos os meses, esteja eu em Lisboa ou nos Açores, no Minho ou no Alentejo, ouço uma mulher portuguesa, a propósito de um filho, de um vizinho ou (sobretudo) de um pretendente involuntário, ter um desabafo do gênero: «Eu não sou nada xenófoba, juro. Mas, caramba, ele vai casar com uma brasileira... com uma brasileira!» Para uma certa categoria de portugueses, mais valia que os filhos, os vizinhos e os ex-futuros maridos casassem com uma boneca insuflável, uma ovelha ou mesmo uma abóbora, para citar apenas as heroinas românticas de Saramago. Brasileiras é que não. São todas levianas, vêm todas à procura de dinheiro - e, se o casamento der para o torto, de bom grado passarão a dedicar-se à má vida.
Não são apenas as mulheres a desdenhar do que vem do Brasil, diga-se. Para muitos de nós, o brasileiro é o português que relaxou e saiu para sambar. Pensamo-lo nós, os detentores da mais frágil economia europeia, sobre eles, os protagonistas de uma das economias mais fulgurantes do mundo: po brasileiro é o português que fracassou na vida. O país que construiu, e nós também conhecemos durante aquela semana que passamos em Porto Galinhas, é uma coisa sem rei nem roque, manhosa e cheia de segundas intenções - e ele próprio, naturalmente, é assim também: vigarista e falinhas mansas, preguiçoso e ladrão de bancos. Se for futebolista, claro, pode jogar na Selecção portuguesa. Mas com o mesmo estatuto que, antigamente, tinham as criadas trazidas da província: gente para lavar os paninhos da senhora, corresponder às necessidades do senhor, ajudar na iniciação do menino - e depois ir parir longe, a desavergonhada.
Pois eu, que li o Érico e ouvi o Chico, que me ri com o Jô e dancei com a bateria do Salgueiro, que fiz amigos e Porto Alegre e me apaixoinei em São Paulo - eu sei demasiado do Brasil e dos brasileiros para embarcar nessa conversa dos manhosos e arrivistas. Dizer que todos as brasileiras são levianas é o mesmo que dizer que todos os portugueses emigrados no Brasil são padeiros e se chamam Seu Manoel e que todas as portuguesas emigradas em França são porteiras e se chamam Madame Silvá. E, assim de repente, lembro-me de umas quatro ou cinco brasileiras com quem casaria sem pestanejar (se não fosse já casado, isto é): Gisele Bündcher, Maria Rita, Maitê Proença (sim, Maitê Proença), Camila Pitanga, Juliana Paes. Estas todas e, aliás uma série de outras que me interessariam sobretudo por razões físicas, portanto não intelectuais.
Casaria eu e casará, com total apoio do pai, um filho meu, se assim o entender. Mesmo sendo açoriano, sempre fui muito bem acolhido aqui, neste vosso país - e nada terei contra um casamento com uma nativa, tentação em que eu próprio já caí. Mas há algo numa brasileira bonita que me encanta. Talvez seja apenas o sotaque, mas o mais provável é que seja o facto de quase todas parecerem saídas de uma daquelas telenovelas que me povoaram a adolescência. Más, as novelas brasileiras? Pelo amor de Deus: as novelas brasileiras puseram frente a frente os ricos e os pobres (e depois misturaram-nos); puseram frente a frente o homem e a mulher (e depois explicaram-lhes que não havia uma forma só de misturá-los); puseram frente a frente a obrigação e a diversão (e depois mostraram-nos que era possível elas coexistirem sem se misturarem). As novelas brasileiras foram os nossos anos sessenta: a nossa revolução sexual, a nossa libertação estética, a nossa democratização do quotidiano.
Não fossem as novelas brasileiras e, provavelmente, a depilação do buço teria demorado ainda mais tempo a implantar-se entre as portuguesas. De resto, há brasileiras que vêm para Potugal trabalhar como prostitutas? Pois ainda bem. Só vieram trazer savoir faire, perfume e dignidade à profissão. Tanto quanto me parece, não são as brasileiras que andam pelos semáforos e pelas rotundas deste país, caçando camionistas em troca de uns cobres para a dose seguinte. Pelo contrário, e depois de tantos anos de neo-realismo, o mercado está agora novamente bem servido de cortesãs, o que não deixa de ser um conforto para muita gente. No mais, e para um jovem português em idade de casar encontrar galdérias fatelas, não é preciso ir ao Brasil: basta ir às personagens de muitas telenovelas portuguesas - e, provavelmente, bastará, dentro de alguns anos, ir às raparigas autorizadas pelos pais a assistir diariamente àquelas paradas de maus custumes.
Resta acrescentar que o Brasil é um país do primeiro mundo, uma potência mundial, e continuaria a sê-lo fosse um país africano, europeu ou asiático. Quem me dera ter a mesma certeza sobre Portugal, estivesse era fora da Europa.
A verdade é que o Brasil só depende de sí mesmo para ser grande, Portugal será tanto maior quanto souber olhar para o Brasil, e para os brasileiros, de igual para igual, enquanto parceiros estamos condenados a fazer um caminho comum, lado a lado, caminhada que temos vindo a adiar com preconceitos que só nos diminuem.
SOBRINHO SIMÕES AFIRMA:
«MÉDICOS PORTUGUESES NÃO TRABALHAM EM "ORQUESTRA"»

(in: JN de 05/12/2009)

"Temos um problema que é termos bons solistas mas sermos maus a trabalhar em orquestra e isso tem a ver com limitações históricas"- disse.
"os minifundiários e as pequenas invejas que existem na àrea da medicina são defeitos culturais e não genéticos".
Manuel Sobrinho Simões, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e prestigiado patologista da nossa praça, e fora dela, defende a existência de um hospital universitário nuclear e centros de saúde e unidades de saúde familiar ao mesmo nível.
"Há uma deficiencia comunitária entre hospitais e centros de saúde e as estruturas universitárias, escassa sensibilidade do Ministério da Saúde para os problemas académicos e ausência de articulação interministerial", critica. "O nosso problema é que temos de melhorar o ensino médico e a organização do ensino", sustenta.
Pois é, parece que a panaceia sem a qual este país não resolverá os seus problemas, sejam das classes mais favorecidas ou menos favorecidas, passa sempre pela mesma solução: mais e melhor ensino, estabelecimentos de ensino melhor preparados, professores mais capazes...
Pois é, o problema é que os professores são tratados como operários vagamente qualificados, que qualquer um desautoriza - desde ministros a encarregados de educação.
Pois é, se é bem verdade que a escola somos todos, não é menos verdade que os seus principais pilares são os alunos e os professores, e não estão ambos em pé de igualdade.
Pois é...

sábado, 5 de dezembro de 2009

Isaiah Berlin sobre a liberdade

No último post que publiquei aqui (Democracia pebiscitária ou ditadura da maioria?) afirmava que a regra democrática da maioria deve estar limitada pela defesa da autonomia da vida privada em face da autoridade dos poderes públicos. Entendia por “vida privada” aquela esfera de actividades que, sendo relevantes dum ponto de vista individual, afectam minimamente a vida dos outros e dava como exemplo o casamento entre homossexuais.

Por associação de ideias, isso levou-me a recordar as reflexões de Isaiah Berlin acerca da liberdade. A questão, clássica no âmbito da filosofia política, põe-se assim: Onde começa e acaba a minha liberdade como cidadão? Quem pode limitá-la e em nome de quê?

Berlin, que publicou a sua obra Two Concepts of Liberty num contexto de afirmação do nazismo e do estalinismo, assume-se como um liberal e, portanto, considera a liberdade um valor acima de qualquer outro. Reflectindo sobre o seu significado, distingue entre “liberdade negativa” e “liberdade positiva”.

A liberdade negativa, que Berlin considera como fundamental, resulta da não interferência dos outros na nossa área de acção individual, de forma que a nossa liberdade será tanto maior quanto mais bem defendida estiver a nossa privacidade da intervenção dos poderes públicos. Ela confere-nos o direito de decidir aquilo que nos parece ser melhor para nós mesmos.

A liberdade positiva resulta da vontade de controlar a nossa própria vida. Mas essa possibilidade, para os seus defensores, implica que sejamos capazes de dominar os nossos desejos primários para podermos elevá-los a um superior plano de racionalidade. Ora, aquilo que Berlin teme é que essa superação se faça pela subjugação daquilo que pensamos ser os nossos próprios interesses a uma definição de interesse colectivo que alguém dotado de poder afirmaria como condição da realização dos interesses de cada um. A aceitação dessa premissa poderia justificar práticas coercivas inaceitáveis. Ou seja, traduzir-se-iam, de facto, numa limitação da “liberdade negativa”.

Quando admitimos a possibilidade de referendar o casamento gay, estamos a considerar que podem existir valores mais “elevados”, socialmente assumidos, que se sobrepõem ao simples desejo dum casal homossexual querer contrair matrimónio. E não deixa de ser curioso que essa possibilidade seja admitida por muitos daqueles que se afirmam liberais defendendo, no plano económico, um mínimo de constrangimentos para a iniciativa privada. Verifica-se facilmente que o liberalismo económico nem sempre encontra correspondência com o liberalismo no plano dos costumes…

Pela minha parte, encontro-me na posição inversa: sou liberal quando se trata de minaretes ou do casamento homossexual, mas não defendo o “Estado mínimo” no plano da economia.

E isto porque me parece fundamental estabelecer uma distinção entre a liberdade de fazer algo e a liberdade para fazê-lo. Em sociedades onde desigualdades económicas e sociais mais ou menos profundas condicionam a existência individual desde o nascimento, só o Estado pode garantir a todos as condições básicas necessárias à realização dos seus desejos e ambições. Se não o fizer, a liberdade negativa exaltada por Berlin fica facilmente reduzida a um direito puramente formal. Ou, para citar Fassbinder, ao “direito do mais forte à liberdade”.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

APONTAMENTOS À MARGEM ( ): LIVRO

José Saramago

Caim

Caminho, 2009.

Apetece-me começar como Rui Tavares na sua crónica publicada no Público de 28 de Outubro: “Chego à polémica sobre o novo livro de José Saramago com mais de uma semana de atraso. Espero que me perdoem. Aproveitei para ler o livro” – salvo o meu atraso ser maior, revejo-me perfeitamente na ironia.

Pôr alguém, Caim, a interpelar directa e asperamente Deus – e sabe-se que Saramago diz, e creio-o, não ser um homem de fé – é ir mais além que a maioria de crentes, mais ou menos ortodoxos, mais ou menos praticantes, de todas as missas domingueiras, esponjas sôfregas de todo o que lhe servem numa atitude passiva, acrítica e por isso irreflectida. Atitude não poucas vezes infundada porque, estou convencido, nunca leram a Bíblia ou qualquer outro texto sagrado (leia-se religioso) e não têm interesse ou curiosidade em o fazer. E não é possível reflectir sobre o que não se conhece, sobre o que não se leu. Sabemos que Saramago leu-os.

Quase duas décadas após a provocação de “O Evangelho segundo Jesus Cristo” (Caminho, 1991), num clima de grande controvérsia e forte contestação às suas críticas à Bíblia, e à religião de uma forma mais lata, voltamos a assistir ao desfilar de beatos da nossa paróquia a falarem do que não sabem porque não leram. E a fazerem gáudio disso, sem vergonha na cara, sem outro a-propósito a não ser a auto-promoção, os 5 segundos de TV (porque para os 15 m de fama é preciso algo mais), o grudar, eles sim, à publicidade gratuita de um prémio Nobel que não percebem nem merecem.

A este que vos escreve nunca passaria pela cabeça afirmar sobre um livro, ou o que quer que seja: “não não li, nem o vou ler, nem preciso fazê-lo para ter opinião”. Não sei quem disse que a ignorância pode ser uma bênção, mas é certamente muito mais sábio que eu, pois a mim escapa-me completamente. Uma coisa percebo: a esta gente, seja Secretário de Estado ou Deputado Europeu, não falta desfaçatez.
Só há um país no mundo que tem um Saramago, esse país é o meu. E o dele. E é uma sorte, porque de mérito estamos falados.

Quanto ao livro, leiam-no. É provocador. Parece-me que esta histeria, este berreiro, esta irracionalidade deriva mais da autoria que o livro tem, que ao seu conteúdo.

É este ódio de estimação que arrasa à partida que mais me deixa perplexo e assusta.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Democracia plebiscitária ou ditadura da maioria?

Os resultados de um referendo determinaram a proibição de minaretes nas mesquitas construídas na Suíça.

Decisão democrática? Nem por isso, se entendermos que a democracia não se esgota na legitimidade da maioria impor a todos a sua lei, mas implica os direitos e liberdades das minorias. E, neste caso, foi posto em causa um direito fundamental: o direito à liberdade de expressão religiosa.

Ninguém compreende como é que a vida pública e privada de católicos, protestantes e ateus pode ser prejudicada pela presença de alguns minaretes. Pelo contrário, percebe-se muito bem que a sua proibição lança um estigma sobre os muçulmanos que, desta forma, foram alvos de uma lei de excepção que contraria a Constituição helvética que garante a liberdade de culto. Pelos vistos, essa liberdade fundamental não se aplica da mesma forma a todas as religiões: os muçulmanos só podem reunir-se nos seus templos se estes tiverem uma aparência discreta.

Dito isto, devo acrescentar que não tenho nenhuma posição de princípio contra os referendos. Simplesmente, há matérias que não podem ser decididas desta forma sob pena de uma prática legítima de democracia directa se transformar numa forma de exercício duma ditadura da maioria.

Vejamos outro exemplo. Será legítimo referendar a possibilidade de um casal de homossexuais realizarem um casamento civil? Devo eu ou outra pessoa qualquer reivindicar o direito de ser consultado acerca do direito de um vizinho se casar civilmente com quem entenda? Ou inversamente, estarei eu disposto a dar a um desconhecido o direito de se pronunciar acerca da legitimidade do meu próprio casamento?

Um casamento civil é um contrato entre pessoas emancipadas. Nenhuma interferência de terceiros é admissível e muito menos o será quando, através de um referendo, se confere aos poderes públicos o direito de intervir na esfera da vida privada de cada um.

A única coisa que há a fazer é remover do Código Civil o articulado referido ao casamento que cria uma discriminação de facto relacionada com a orientação sexual, contrariando, aliás, aquilo que a própria Constituição estipula.

A regra da maioria é uma característica fundamental de um regime democrático. Mas se não for moderada pelo reconhecimento dos direitos das minorias e pela autonomia da esfera da vida privada em face da autoridade dos poderes públicos, pode conduzir-nos á sua perversão. Uma ditadura legitimada por uma maioria do eleitorado não deixa, por isso, de ser uma ditadura.
A crise económica exige soluções políticas

Desemprego: mais de 600.000 desempregados e vai continuar a subir no próximo ano.
Défice orçamental: acima dos 8% do PIB.
Dívida pública: acima dos 90%.
Dívida externa: a subir 10% ao ano.

Como vamos criar emprego num contexto de retracção do investimento?
Como combater a pobreza quando já gastamos mais do que aquilo que produzimos?
Como vamos financiar a Segurança Social, a Educação e a Saúde num contexto económico favorável a um decréscimo das receitas do Estado?
Como vamos aumentar as exportações quando perdemos competitividade?

Num contexto de crise, a retracção do investimento privado tem de ser compensada com o reforço do investimento público. Contudo, nem todo o investimento público é necessariamente positivo. Para onde deve ser direccionado?
Como criar condições para fazer crescer a competitividade das nossas empresas? Apostando em mão-de-obra barata e desqualificada? Na redução das exigências de ordem ambiental? Numa descida de impostos em prejuízo da qualidade e eficiência dos serviços públicos? Não sendo aceitáveis nem eficazes medidas desta ordem (haverá sempre que, nestes domínios, nos ultrapasse), que outras medidas podem ser tomadas?

Parece-me que as opções a tomar não são meras opções “técnicas” que possamos entregar nas mãos de especialistas. Quaisquer soluções implicam opções políticas. Até hoje todas as “soluções” têm apontado no mesmo sentido: sacrifícios cada vez maiores são exigidos aos trabalhadores por conta de outrem e aos sectores mais desfavorecidos da população. Os resultados estão à vista: o fosso entre ricos e pobres cava-se cada vez mais fundo e a crise mantém-se e ameaça prolongar-se. Não terá chegado a altura de começar a olhar noutra direcção?
Quem está no governo é responsável pelo caminho que vai escolher. Já sabemos que o PS vai precisar de captar apoios na Assembleia da República. Onde é que os vai procurar?