quinta-feira, 28 de maio de 2009

AS CAMPANHAS ELEITORAIS
PARA O PARLAMENTO EUROPEU
UM BALANÇO PROVISÓRIO


Seguindo as principais campanhas eleitorais (a do BE, mais de perto, as outras pelos órgãos de comunicação social), que balanço posso fazer no final desta primeira semana?

Vital Moreira não tem carisma e anda à deriva. Não colhe simpatias nem à direita nem à esquerda e no próprio PS parece-me que o vêm como um corpo estranho e, até mesmo, um bocado incómodo. A questão da oportunidade (ou não) do debate de questões nacionais no quadro das eleições europeias, do apoio (ou não) à recandidatura de Durão Barroso à Presidência da Comissão Europeia e da criação (ou não) de um Imposto Europeu, são exemplos do desnorte que campeia nas hostes da sua candidatura. Periodicamente, José Sócrates aparece em seu socorro para fazer oposição à oposição. Os fiéis parece que gostam do seu estilo desabrido… A mim, já me falta paciência.

As figuras de Manuela Ferreira Leite e de Paulo Rangel de alguma forma complementam-se. A primeira trata das “coisas sérias” (aparece, por exemplo, a intervir nos colóquios “Portugal de Verdade”), o segundo dedica-se à “pequena política”. A trica do dia é o seu tema e Vital Moreira o adversário preferido. E nessas matérias não lhe tem sido difícil somar vitórias. Resta saber se essas escaramuças rendem votos ou não.

Ilda Figueiredo aparece sempre bem rodeada por apoiantes, comunica facilmente com a população e tem conseguido fazer passar no fundamental as grandes linhas da mensagem política da CDU, onde se associa a defesa dos direitos dos trabalhadores à defesa das suas concepções “nacionalistas” em relação à União Europeia.

Miguel Portas é facilmente reconhecido e está à vontade nas acções de rua, no contacto com as populações, mas é claro que não tem ao seu serviço um “aparelho” como o do PCP. Tem procurado fazer uma campanha pedagógica, centrada nas questões colocadas pela crise económica e social. É, talvez, a única que tem dado destaque aos problemas ambientais E, para já, também a única com acções de campanha especificamente voltadas para a juventude. Face às questões europeias, pronuncia-se a favor da superação do défice democrático que ainda tolhe a EU, pelo fim dos paraísos fiscais e pelo reforço das políticas de segurança social. Perspectivando-se a probabilidade de crescimento do número de deputados eleitos, nota-se a preocupação de difundir a imagem da Marisa Matias (socióloga e investigadora da Universidade de Coimbra), nº 2 da lista de candidatos, e de Rui Tavares (historiador, colunista do Público e comentador da SIC), nº 3, ainda pouco conhecidos da maioria dos eleitores.

Na campanha do CDS, como na do Bloco, nota-se a falta da máquina partidária e dos meios financeiros que alimentam outras campanhas. Nuno Melo, que tem tido uma prestação destacada como deputado na AR, não parece muito à vontade nas funções de candidato. A coisa espevita quando está presente Paulo Portas que está como peixe na água nos mercados e nas feiras. Mas ainda estão para surgir ideias fortes que expliquem porque se deve votar no CDS em vez de no PSD.

A primeira semana da campanha eleitoral para as europeias aproxima-se do fim e, independentemente das possíveis virtudes exibidas pelas várias candidaturas, fica um sentimento muito nítido de alguma apatia e desconfiança por parte dos eleitores. Teme-se uma grande abstenção. Parece que uma crise que começou por ser financeira e se transformou numa crise económica e social, começa agora a voltar-se conta a própria democracia. Casos como o de como o do Dias Loureiro acabam por afectar os “políticos” em geral. Começa a generalizar-se o sentimento de que o que “eles” querem é tacho e de que “nós” é que os andamos a sustentar a todos. Se esta mentalidade se instalar, sairemos da crise pior do que entramos, porque a democracia é, de facto, a arma mais importante de que dispõem os “de baixo” para meter na ordem os senhores que pensam que têm na mão o destino de todos porque são eles quem tem no bolso o dinheiro.

Enquanto houver liberdade e democracia “eles”, os governantes, serão quem “nós”, os eleitores, quisermos. Logo, todos somos responsáveis. E se nos abstivermos de intervir politicamente, estaremos a passar um cheque em branco a qualquer um. E seremos responsáveis por isso também.

Quem me lê saberá que o meu partido é o Bloco de Esquerda. A minha aposta é numa esquerda democrática e socialista consequente. Mas, independentemente disso, continuo a pensar que há gente séria em todos os partidos, pessoas convictas de que aquilo que defendem é o melhor para o país e que há diferentes programas partidários que merecem ser conhecidos e debatidos com atenção. Contudo, a comunicação social, centrada na exploração dos fait-divers e das tricas da pequena política, não ajuda ninguém a tomar conhecimento deles. Sobretudo, a forma como os telejornais têm acompanhado as diferentes campanhas eleitorais só pode contribuir para o descrédito da actividade política em geral. É importante que haja, nos diferentes partidos, quem compreenda que subestimar a importância de uma exposição clara e fundamentada das suas ideias para se deixar ir na corrente das frases sonoras para a televisão, só pode degradar o debate político para o nível das mais estéreis rivalidades clubistas. Com enormes prejuízos para uma saudável vida democrática.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

A AUTOEUROPA E A ÉTICA DAS MULTINACIONAIS


Aqueles países da Europa que apostaram tudo numa política de aumento das exportações à custa da restrição do mercado interno e de uma política fiscal “benevolente”, são os que mais duramente sentem hoje os efeitos da crise. É o caso da Irlanda e dos países da Europa de Leste. Aí, para atrair capitais estrangeiros e para favorecer as exportações nacionais, a cartilha neoliberal foi aplicada sem reservas: mão-de-obra barata, benesses sem fim para o investimento directo estrangeiro, descida de impostos e desinvestimento na Segurança Social. Ainda há pouco tempo, todos os economistas e jornalistas “do regime”, que dominavam e continuam a dominar as colunas de opinião dos jornais e os comentários televisivos, nos ofereciam a Irlanda como um exemplo a seguir… Agora, a retracção dos mercados internacionais atingiram esses países em cheio. Sucederam-se os encerramentos de empresas com consequências sociais agravadas pelo desarmamento da Segurança Social.

A este propósito recomendo o artigo de Carlos Santos no Le Monde Diplomatique (edição portuguesa) de Maio de 2009. Em Portugal, apesar dos bons conselhos da imprensa especializada, não se terá ido, felizmente, tão longe. Ainda assim, a situação está longe de nos ser completamente estranha.

A Volkswagen recebeu do Estado português, para instalar a sua fábrica em Palmela, regalias extraordinárias. Apesar da crise, sabemos que a Autoeuropa continua a ser uma empresa altamente lucrativa, tendo facturado 1.553 mil milhões de euros em 2008. A sua administração sabe que tem na sua mão a vida de 3000 trabalhadores directos e a de cerca de 40000 pessoas que trabalham em empresas subsidiárias. Mas sabe também que, hoje, todos eles temem acima de tudo o desemprego. E, portanto, não se coíbe de lhes propor a revisão dos acordos assinados para vigorar até 2010, sob pena de proceder ao despedimento de 250 trabalhadores contratados. E mais: deixa que fique no ar a ameaça velada de encerramento. Em troca, o que lhes propõe, na prática, é uma descida de salários.

Chama-se a isto chantagem. Será legítimo esperar outra coisa? Deveremos contar com a prevalência de princípios éticos para prevenir estas situações? Ou será que o único princípio que vale numa economia capitalista é o princípio do lucro máximo?

domingo, 17 de maio de 2009

Manuel Alegre rejeita a sua inclusão nas listas de deputados, mas mantém a sua ligação ao PS

Trata-se, sem dúvida, de uma vitória de José Sócrates que, de um só golpe, se vê livre quer de um deputado incómodo, quer da ameaça de nascimento de um novo partido na área da esquerda democrática e reformista, que dividiria o PS e o poderia penalizar em termos eleitorais.

Por outro lado, afirma-se que Manuel Alegre terá conseguido garantir a eleição de alguns dos seus apoiantes. Será o caso de Nuno David, Jorge Bateira e Elísio Estanque. Com isso, o “alegrismo” continuaria de alguma forma presente na AR e, ao mesmo tempo, José Sócrates pretenderia conter uma fuga de votos do PS para o BE. As personalidades que referi são pessoas com uma postura política claramente à esquerda da actual direcção do PS, mas ninguém estará em condições de garantir os resultados que resultarão da sua eventual intervenção parlamentar. Afinal, as “divergências políticas” referidas por Alegre como razão da recusa em candidatar-se pelo PS, não são suficientes para levar os seus apoiantes a fazer o mesmo? Para todos os efeitos, não sendo pessoas com o peso político de Alegre, é duvidoso que a sua presença nas listas de candidatos à AR, tenha consequências eleitorais significativas.

Finalmente, Manuel Alegre talvez tenha conseguido o apoio do PS para as próximas eleições presidenciais, onde gostaria de aparecer como um candidato federador das esquerdas. Resta saber se, nessa data, o seu capital político não terá sido já todo desbaratado.

Apesar de todas as dúvidas, apesar de um certo sentimento de frustração que se possa ter apossado daqueles que esperavam de Manuel Alegre algo mais, penso que o diálogo entre as esquerdas que já deu lugar ao Comício do Trindade e ao Fórum da Aula Magna, não está terminado.
Trata-se de um processo complexo de análise crítica e autocrítica. A impaciência não será boa conselheira.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Ainda sobre os acontecimentos do Bairro da Bela Vista

Passada uma semana sobre as manifestações violentas que ocorreram na Bela Vista, a vida neste bairro de Setúbal parece ter voltado à normalidade. E, para isso, terá contribuído a actuação responsável da PSP. Chegou a altura de nos determos mais atentamente sobre essa “normalidade” que agora foi restaurada.

O bairro tem cerca de 30 anos de idade. Vivem nele cerca de 7000 pessoas, sendo uma grande parte delas adolescentes e jovens adultos. A média de idades é de 34 anos. Os rendimentos de metade dos moradores condena-os a viver abaixo do limiar da pobreza (cerca de mil recebem o RSI). Perto de 30% está no desemprego e, entre estes, muitos procuram o primeiro emprego. 30% não completou o ensino básico e 10% são analfabetos.

O bairro não está devidamente integrado na rede de transportes públicos do Concelho. Não há distribuição do Correio. Não há comércio. As habitações e os espaços públicos estão degradados.

A marginalidade, a delinquência e o crime encontram aqui um terreno fértil.

Devemos admirar-nos caso voltem a suceder novos actos de revolta, de violência e de destruição? Para o evitar, será suficiente por mais polícia na rua e mais gente na cadeia? E quantas mais “Bela Vistas” haverá em Lisboa, no Porto, em Gaia e por aí fora? Exigir uma intervenção social séria será simples demagogia, ou será antes uma necessidade urgente?

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Os acontecimentos do Bairro da Bela Vista


A Direita exige a rápida detenção, julgamento e punição dos desordeiros… A Esquerda chama atenção para as causas sociais dos problemas… Quem tem razão?

Querer reduzir a situação a um caso de polícia é um erro. Reprimem-se os desordeiros do momento, mas as desordens regressarão mais tarde. E arriscamo-nos a entrar numa espiral de violência e destruição sem fim, onde a repressão serve de pretexto para novas revoltas e estas para uma nova onda de repressão.

Por outro lado, denunciar o desemprego, a miséria e a exclusão social como sendo aquilo que está na origem dos conflitos, não resolve problemas que pedem soluções urgentes, porque não será amanhã que uma sociedade liberta daqueles males vai nascer. E, entretanto, a delinquência e a criminalidade prosseguirão a sua marcha.

Pois não há que ter ilusões a esse respeito: o lumpen não é o povo e os gangs não são organizações de trabalhadores. Os motins de rua são um sintoma da existência de um conflito político. Mas não podem ser confundidos com manifestações com propósitos políticos definidos. São actos de revolta “em bruto” susceptíveis de serem manipulados por qualquer um. Geralmente, dão pretexto ao reforço das políticas securitárias mais reaccionárias e conservadoras.

A prazo, quem julga que pode resolver o problema à cacetada, só vai agravá-lo. E quem ceder à tentação de correr atrás destes actos desesperados de revolta, vai correr para o abismo.

Mais do que aproveitar a situação para desenterrar e esgrimir velhos machados de guerra da luta ideológica, há que procurar soluções razoáveis para problemas concretos. Antes de mais, como já sublinhou Rui Tavares, é preciso que não se repitam os erros do passado. A construção de bairros como o da Bela Vista é um erro: as famílias mais carenciadas devem ser dispersas pela cidade, viajarem nos autocarros que todos utilizam, fazer compras nas mesmas lojas, ter acesso às escolas, aos complexos desportivos, aos parques e jardins que todos frequentam. Não podem ser encerradas em guetos.

Contudo, muitas “Bela Vistas” foram já construídas e os seus problemas têm de ser enfrentados. Antes de mais, é necessário criar um clima de segurança pública e, para isso, a presença dissuasora da Polícia é fundamental. Depois, é preciso prevenir a degradação dos prédios e dos espaços públicos. Uma atitude desleixada nessa matéria funciona como um factor favorável a uma decadência que acaba por ser tida como uma fatalidade. Finalmente, parece-me bastante justa a sugestão de Helena Roseta: é preciso encontrar entre os moradores desses bairros, as pessoas que tenham a coragem de promover iniciativas que vão no sentido de criar alternativas positivas de acção social. Associações culturais, desportivas, de solidariedade social, inclusive de associações políticas (comissões de moradores, por ex.) que valorizem a intervenção cívica e a participação de todos na construção de uma sociedade melhor.

terça-feira, 12 de maio de 2009

APONTAMENTOS À MARGEM (09): LIVRO

Jonah Lehrer
Proust era um neurocientista

Lua de Papel, 2009.

“Uma admirável aplicação da Neurociência, de leitura profunda e fascinante.”
– António Damásio

Empurrado por esta citação, pelo prestígio do seu autor, vi-me, de repente, a ler uma obra que me surpreendeu e agradou sobejamente.

Dentre as suas 272 páginas encontramo-nos, entre outros, com George Eliot (novelista britânica, 1819-1880), Walt Whitman (poeta norte-americano, 1819-1892), Paul Cézanne (pintor francês, 1839-1906), Auguste Escoffier (chef francês, 1846-1935), Marcel Proust (escritor francês, 1871-1922), Gertrude Stein (escritora, poeta e feminista norte-americana, 1874-1946) Virginia Woolf (escritora britânica, 1882-1941) e Igor Stravinski (compositor russo, 1882-1971). Todos, à sua maneira, no seu tempo e na sua área, preconizaram uma ruptura com o instituído.

Agora, Jonah Lehrer diz-nos como cada um deles (um pintor, um poeta, um chefe de cozinha, um compositor e quatro romancistas) descobriram e revelaram, ou pelo menos intuíram, verdades fundamentais sobre a mente humana que a ciência só agora começa a desvendar.

Ficamos a saber como Proust explorou a falibilidade da memória, como Escoffier intuiu o quinto sabor: o umami, como Stein descobriu a estrutura da linguagem, como… como… Não há como deixar de ler este livro.

Medir não é o mesmo que compreender e é aqui que a arte suplanta a ciência…

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Sondagem da Euroexpansão para a SIC e o Expresso (8-5-09)
Intenções de voto nas eleições para a Assembleia da República

PS – 35,4%
PSD – 30,8%
BE – 9,4%
CDU – 9,2%
CDS/PP – 6,9%.


Observa-se uma subida gradual do PSD, confirmada por outras sondagens (34% na sondagem da Universidade Católica de 4-5-09) e confirma-se que o PS se encontra longe da maioria absoluta. Verifica-se mais uma vez a possibilidade do BE surgir como o terceiro partido mais votado (12% na sondagem da UC), enquanto o CDS/PP, segundo esta sondagem, embora desça em relação às últimas eleições, não se afogaria na expressão mínima prevista na sondagem da UC (2%)

Em face destes resultados, a questão que se coloca é a da futura governação. Quem vai governar o país e como? Passemos em revista todas as hipóteses.

1) Governo PS com maioria absoluta. Nenhuma das últimas sondagens aponta nesse sentido. E o estilo crispado e arrogante da actual governação criou muitos anti-corpos desfavoráveis à reedição de uma nova maioria absoluta.

2) Governo do Bloco Central (PS + PSD). Esta solução tem obtido vários apoios, inclusive junto da Presidência da República. Contudo, não parece viável pois, para além da existência de divergências várias, não existe entre a liderança dos dois partidos (José Sócrates e Manuela Ferreira Leite) aquele mínimo de confiança política indispensável a um acordo desta natureza.

3) Governo PS+CDS/PP. Segundo as últimas sondagens, não contaria com o apoio de uma maioria parlamentar.

4) Governo PS+BE (ou CDU). Inviável dadas as profundas divergências que dividem estes partidos.

5) Governo minoritário PS. É a hipótese mais provável. O PS, embora peça a maioria absoluta, nunca afirmou que recusaria formar governo se não a conseguisse obter. Nestas circunstâncias teria de governar procurando apoios pontuais à esquerda ou à direita na Assembleia da República. Resta saber se, nesse caso, não seria preferível substituir José Sócrates por um outro Primeiro-Ministro com uma maior capacidade para ouvir e dialogar com os outros partidos. O mais desejável seria que quem exercesse esse cargo soubesse dar alguma expressão à maioria sociológica de Esquerda que todas as sondagens parecem revelar. Que não aconteça, como tem sido hábito, que um país que vota à esquerda seja sistematicamente governado à direita.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

MARCHA GLOBAL DA MARIJUANA

Amanhã realiza-se a Marcha Global da Marijuana (MGM) em Lisboa, Coimbra e Braga. Na semana passada houve uma manifestação no Porto com cerca de 500 pessoas e realizaram-se muitas outras em várias cidades da Europa.

A propósito destes acontecimentos deixo aqui algumas considerações sobre os argumentos que têm sido invocados em defesa da legalização da marijuana, bem como a minha opinião acerca do relevo desse acto político.

1) Não é prejudicial à saúde e não cria dependência física. Quando Marx criticava a religião como sendo o “ópio do povo” não me parece que estivesse preocupado com a possibilidade da religião fazer mal à saúde e ser viciante.

2) O cânhamo pode ser produzido como matéria-prima para a indústria têxtil. Só será usado com esse fim se dessa forma se obtivessem lucros superiores àqueles que decorrerem da sua venda enquanto droga. O que é pouco provável. Mas, ainda que não seja assim, volto ao meu paralelismo com a crítica de Marx à religião. Não acredito que ele fosse sensível à defesa da bondade das religiões, a partir do argumento de que as Igrejas promovem uma série de actividades económicas e criam inúmeros postos de trabalho.

3) Tem virtualidades terapêuticas no combate à dor. Desconheço os estudos científicos que o comprovam. Acredito que haja experiências individuais que subscrevam essa tese, mas também sei que há pessoas que se sentem melhor depois de tratadas com placebos. Mas, admitindo aquela hipótese, então não deveria ser, tal como é o caso de outros analgésicos potentes, prescrita por um médico, tendo em conta a situação clínica do doente, as possíveis interacções com outros fármacos e eventuais efeitos secundários?

Em última análise, a questão não está na marijuana (como não está no álcool), mas no uso que se lhe dá. E parece-me evidente a existência de uma cultura que promove as drogas leves como meio de compensar uma existência frustrada, como “ópio do povo”.

Nem todos as usarão com esse fim? É claro que não. Mas isso não implica que lhes tenhamos que dar um relevo que elas não têm. Sejamos claros: a qualidade de vida dos indivíduos pode depender do exercício de uma profissão onde se sintam realizados, de rendimentos que não o obriguem a encarar angustiosamente os últimos dias do mês, de uma habitação confortável, da existência de serviços de saúde gratuitos, prontos e eficientes, da possibilidade de não ver frustrado o seu desejo de estudar e de se cultivar por razões de ordem económica, de desfrutar de tempos livres que lhe permitam dedicar-se a actividades e interesses variados e a não ficar confinado a uma vida que se esgota num movimento pendular “trabalho-casa”. A qualidade de vida não depende minimamente da possibilidade de fumar uns charros sem problemas.

É claro que a vida também é feita de “pequenos nadas”. Mas é nesse plano e não noutro que se encontra o consumo da marijuana. E, ainda aí, devo dizer que me custaria muito mais prescindir de um dia de sol, de um passeio a pé, de um banho de mar, de uma conversa entre amigos…, do que de um charro. Talvez por isso, qualquer sobrevalorização da sua importância parece-me suspeita. E convém dizê-lo: ninguém passa a ser mais inteligente, mais culto e mais interessante pelo facto de a fumar, E muito menos isso é uma atitude “de esquerda”. Há inúmeros idiotas e reaccionários para comprová-lo.

De tudo isto, deverá concluir-se que deve ser mantida como substância proibida? É claro que não. Da minha crítica do alcoolismo, também não se deverá deduzir uma a defesa da “lei seca”. Simplesmente, não dou à reivindicação da legalização da marijuana uma importância superior àquela que ela merece. Há apenas um argumento que me poderá motivar: o das vantagens da dissociação do mercado das drogas leves do das drogas duras.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Sondagem da Universidade Católica para a Antena 1, RTP, Jornal de Notícias e Diário de Notícias (4-5-09).
Intenção de voto para as eleições para a Assembleia da República

PS – 41%, PSD – 34%, BE – 12%, CDU – 7%, CDS/PP – 2%


A acreditar nestas previsões, teríamos: 1) uma vitória do PS sem maioria absoluta; 2) uma derrota mais ou menos “honrosa” do PSD; 3) um grande reforço do BE que duplicaria o número de deputados eleitos e se constituiria como terceira força política; 4) uma derrota da CDU e do CDS/PP que surgiriam enfraquecidos na próxima Assembleia da República.

Confrontando esta sondagem com outras realizadas nos últimos meses, vemos que aquilo que dissemos em 1) e 3) resulta de uma tendência que tem vindo a ser repetidamente confirmada. A subida, lenta mas gradual, do PSD também parece ser verosímil. Já a acentuada descida da CDU e do CDS/PP é contraditada por outras sondagens de opinião.

A grande questão continua ser: em quem se apoiará o PS se ganhar sem maioria absoluta? Na minha opinião, se não se desfizer dum certo engenheiro que, ao longo destes quatro anos, não quis ouvir ninguém e se incompatibilizou com toda a gente, dificilmente encontrará apoios tanto à esquerda como à direita. E com Sócrates, muitos outros ministros terão de ir pela borda fora. A ministra da Educação, por exemplo. Eles estão a tornar-se no principal obstáculo à governabilidade do país.

domingo, 3 de maio de 2009

Por que caminhos se chega à Democratização do Ensino?
Obrigatoriedade ou Gratuitidade?

Há um conjunto de indicadores que revelam de uma forma indesmentível o baixo nível de formação académica da população portuguesa. Sabe-se que as taxas de abandono da escolaridade obrigatória (16 anos) são elevadas… Mas saber-se-á qual é o verdadeiro nível dos conhecimentos adquiridos por aqueles que a concluem? Não sei se alguém está em condições de nos dar estimativas fiáveis nesse domínio. Mas, entretanto, os Partidos (todos!) com assento na Assembleia da República parecem ter descoberto uma solução: alargue-se a escolaridade obrigatória até ao 12º ano!

Não parece ser fácil criticar uma medida tão generosa. Afinal quem não gostaria que todos os portugueses pudessem frequentar a escola até aos 18 anos? O problema reside precisamente aí: o Estado deve facultar a todos essa possibilidade, mas deverá impor essa aos jovens de 16, 17 e 18 anos que não estejam interessados nisso? Pode tentar fazê-lo, mas que resultados se pensa alcançar com isso? Será eventualmente possível obrigar alguém, contra a sua vontade, a ir para a escola… (Há uns anos atrás obrigava-se os mancebos a ir para a tropa.) Mas duvido que se possa obrigar alguém a estudar se não estiver interessada nisso.

Prolongar a obrigatoriedade da escolaridade obrigatória para além dos 16 anos pode (e deve) ser visto como uma limitação abusiva da liberdade individual de jovens com idade para serem responsáveis pelas suas escolhas. E, de resto, isso não se traduzirá sequer necessariamente numa maior aquisição de conhecimentos. Na União Europeia, entre 27 países, apenas em 5 foi adoptada uma medida semelhante. Na Áustria, na Dinamarca, na Suécia, na Finlândia ou na Itália, a escolaridade só é obrigatória até aos 16 anos. Devemos considerá-lo como um sintoma do seu “atraso”. E, comparativamente, pudemos considerar mais “avançados” países como o Togo, a Guatemala, a Moldávia ou o Botão, onde a escolaridade obrigatória foi fixada em 12 anos? Nos primeiros, a população será menos instruída que nos segundos, ou será que nem tudo se resolve por decreto?

A democratização do Ensino é um ponto de honra de qualquer pessoa de Esquerda. Mas isto só pode significar que o Estado deve oferecer a todos aqueles que querem estudar condições efectivas para o poderem fazer. Ao nível do Ensino Secundário isso significa a concessão de bolsas de estudo aos estudantes das famílias com menos recursos, bem como o alargamento e valorização dos subsídios concedidos para alimentação, livros e transportes. Deixar tudo isso tal como está e, depois, exigir a todos que frequentem a escola é simplesmente impraticável.

O caminho que defendo para a democratização do ensino não é o da obrigatoriedade, mas o de uma efectiva gratuitidade.
Perguntas e respostas sobre a pobreza em Portugal

O que é a pobreza? Defino pobreza como uma situação de carência por falta de recursos. Significa isto que adopto a definição de Alfredo Bruto da Costa que, portanto, não considero “pobres” aqueles que, possuindo recursos que lhe permitiriam viver dignamente, são carenciados porque não sabem administrar o seu dinheiro, gastando-o onde não devem para depois sentirem a sua falta para o necessário.

Quantos pobres existem em Portugal? Cerca de 18% da população portuguesa vive mergulhada na pobreza. A maioria são pessoas que nascem, vivem e morrem na pobreza. Mas, segundo Alfredo Bruto da Costa, que estudou os anos que vão de 1905 a 2001, verifica-se que, nesse período, quase metade da população portuguesa foi pobre durante pelo menos um ano.

Quem são as pessoas mais afectadas pela pobreza? Embora a pobreza atinja todas as idades, aqueles que são mais vulneráveis em situações de pobreza são as crianças e os jovens (73%) e os idosos (70%). Grande parte das pensões de reforma são tão baixas que colocam quem as recebe em situação de dependência económica. Se não existem laços de solidariedade familiar ou de vizinhança, estes reformados são facilmente atirados para situações de miséria. Nas mesmas condições, encontram-se as crianças nascidas no quadro de famílias disfuncionais. São casos de pobreza persistente cuja existência não se encontra necessariamente relacionada com a actual crise económica.

Em que medida a crise económica está a contribuir para agravar e alargar situações de pobreza? A crise manifesta-se, antes de mais, no crescimento exponencial do número de desempregados. 8,5% dos trabalhadores portugueses estão inscritos nos Centros de Emprego, mas muitos outros (sobretudo os desempregados de longa duração) desistiram já de os procurar. No conjunto, é possível que mais de meio milhão de pessoas estejam actualmente desempregadas.

Qual é o perfil do desempregado? Na sua maioria, são pessoas com um baixo nível de qualificações académicas e profissionais, mas o desemprego atinge já muitos outros, inclusive jovens licenciados e profissionais qualificados. Verifica-se também que as mulheres são mais atingidas que os homens e que os trabalhadores com mais de 59 anos têm mais dificuldade em conseguir emprego que os mais jovens.

Quais são as consequências do desemprego? Para além das consequências de ordem psicológica (perda de auto-estima, angústia em face do futuro), traz consequências económicas evidentes. Recorde-se que cerca de 50% dos desempregados portugueses não são apoiados pelo subsídio de desemprego.

Mas há pobres a trabalhar? Sem dúvida. O salário mínimo fica-se pelos 450 euros e, em famílias numerosas, e principalmente nos casos onde um dos cônjuges não trabalha, isso pode revelar-se insuficiente, sobretudo se a família está endividada. Recorde-se, ainda, o crescimento rapidíssimo do trabalho precário, afectando sobretudo os mais jovens, que ficam cada vez até mais tarde presos a situações de dependência familiar.

A pobreza deve ser considerada como uma violação dos direitos humanos? Uma pessoa com fome não é livre e o Banco Alimentar contra a Fome revelou já que o número de pessoas que tem recorrido aos seus serviços tem vindo a aumentar consideravelmente nos últimos tempos. Mas mesmo quando não somos confrontados com situações de fome, a pobreza condiciona direitos fundamentais. Por exemplo, os estudos de Alfredo Bruto da Costa que temos vindo a citar, revelam que a quase totalidade dos pobres portugueses não têm qualquer forma de aquecimento, que quase 40% não possui banheira ou chuveiro e que quase 30% não tem retrete em casa.

Podemos falar de um círculo vicioso da pobreza? Sim, porque sabe-se que situações de pobreza estão muitas vezes na origem do insucesso escolar e jovens menos instruídos têm mais dificuldade em encontrar emprego e emprego qualificado. Além disso, casas frias e húmidas, com más condições sanitárias ou uma alimentação menos rica e saudável podem estar na origem de doenças que podem provocar faltas ao emprego ou mesmo a dificuldade em encontrá-lo. Enfim, a falta de dinheiro obriga muitas famílias a poupar nos cuidados de saúde (compra de medicamentos, etc.) o que agrava as situações decorrentes da doença. A pobreza tende a reproduzir-se. A igualdade de oportunidades é um mito numa sociedade que, à partida, é extraordinariamente desigual.

A pobreza é actualmente mais grave do que no tempo do Fascismo? A pobreza então era mais persistente e afectava um maior número de pessoas. Reflectia-se de uma forma evidente numa elevadíssima taxa de mortalidade infantil, nos altos índices de analfabetismo, em condições de habitabilidade péssimas (povoações inteiras estavam privadas de electricidade, água e saneamento); a falta de cuidados de saúde atingia largos sectores da população… Uma grande parte da população portuguesa vivia em regiões rurais particularmente deprimidas. E os pobres dependiam quase exclusivamente da caridade pública. Em todos estes parâmetros a situação melhorou consideravelmente, mas a pobreza continua longe de ter sido vencida. E acentuaram-se situações de precariedade e de incerteza que podem conduzir famílias que desfrutavam de um relativo bem-estar a resvalar a qualquer momento para situações de dependência e carência. Além disso, as exigências e expectativas actuais em termos de qualidade de vida são legitimamente maiores.

Que importância tem a atribuição do Rendimento Social de Inserção no combate à pobreza? Os partidos da Direita e, em particular, o CDS-PP, têm tomado o RSI como alvo da sua crítica. No entender desses senhores o Estado estaria a manter parasitas que, simplesmente, “não querem trabalhar”. Pelo contrário, a mim parece ser evidente que famílias em situação de pobreza extrema dificilmente conseguirão vencê-la sem um apoio deste tipo. Se alguma crítica pode ser feita, terá de sê-lo no sentido da denúncia da sua insuficiência. Segundo o Instituto de Segurança Social, actualmente, perto de 140 000 agregados familiares beneficia um montante médio de 91,40 euros. Trata-se de uma esmola que não garante sequer a sobrevivência de quem a recebe.

E a do Complemento Solidário para Idosos? O Complemento Solidário para Idosos é uma contribuição monetária complementar atribuída aos pensionistas com rendimentos mais baixos e, à partida, trata-se de uma medida positiva. No entanto, só poderão candidatar-se pessoas com mais de 65 anos que não sejam detentoras de rendimentos anuais acima dos 4960 euros (cerca de 400 euros mensais). Caso viva com o seu cônjuge, o casal não pode auferir mais de 8 960 euros anuais. Além disso, o critério de atribuição do CSI terá ainda em conta o rendimento dos filhos ainda que estes não vivam com o candidato. Aliadas a estas condicionantes, a complexidade do processo burocrático da candidatura tem excluído do processo uma parte considerável de idosos, pouco instruídos e desapoiados, mas muito carenciados. Note-se que uma parte não menosprezável da sua reforma se esgota, muitas vezes, na compra dos medicamentos de que necessitam.

Que outras medidas políticas podem ser tomadas para combater a pobreza? O Bloco de Esquerda tem proposto medidas que julgo fundamentais. Entre elas estão:
1 – a subida urgente das pensões de reforma mais baixas;
2 – o alargamento do período de direito ao Subsídio de Desemprego;
3 – a proibição de despedimentos colectivos em empresas lucrativas;
4 – a denúncia de situações de falência fraudulentas e de lay-off injustificados;
5 – a defesa do Serviço Nacional de Saúde e o fim das taxas moderadoras em caso de cirurgia e internamento;
6 – a receita de medicamentos pela indicação do seu princípio activo, o que permitiria uma maior utilização de genéricos e, portanto, uma redução dos gastos com a saúde:
7 – juros bonificados para famílias que tenham pedido empréstimos para aquisição de casa e que se encontrem agora face a situações de desemprego.

São estas medidas viáveis? Não faltarão opiniões críticas de economistas encartados, aliás os mesmos que há menos de um ano defendiam convictamente as políticas económicas que nos conduziram à triste situação em que hoje nos encontrámos. Também não hão-de faltar críticas vindas de gente bem instalada na vida para quem a pobreza é um mero problema estatístico. Pessoas que se escandalizam com a aprovação na Assembleia da República do Projecto-lei do BE que acaba com o sigilo bancário como instrumento de combate à fraude fiscal. Ou que consideram uma devassa inqualificável da sua vida privada a revelação dos ordenados principescos que atribuem a si mesmos pelo exercício de cargos na administração de grandes empresas. Mesmo quando se sabe que essas mesmas empresas foram geridas de uma forma aventureira, incompetente ou fraudulenta, vindo agora recorrer ao Estado para que cubra o buraco dos seus prejuízos gigantescos. E serão ainda contra aqueles que todos os anos exportam biliões de euros para off-shores (só em 2008, 8,8 mil milhões, 5% do PIB!). Pois bem, não é por acaso que são contra. É porque é de uma questão de redistribuição da riqueza aquilo de que se trata. Haverá recursos desde que haja justiça social.

Volto a citar Alfredo Bruto da Costa (entrevista ao Boletim da Amnistia Internacional): “a solidariedade dos portugueses existe para coisas eventuais, por exemplo, quando há uma campanha do Banco Alimentar”. Mas “defendo que a solidariedade tem de ser uma coisa institucionalizada e os mecanismos mais directamente relacionados com isso são, por um lado, os impostos e, por outro, a segurança social”. E, para isso, terão de pagar mais aqueles que mais têm.

Vivemos num país onde os níveis de pobreza e as desigualdades sociais são das maiores da Europa. Será inevitável que continuemos assim?
Sondagens para as Eleições para o Parlamento Europeu
Aproxima a data das eleições para o Parlamento Europeu e começam a aparecer as primeiras sondagens:

Da Intercampus para a TVI (25-4-09): PS – 34%, PSD – 33,5%%, BE – 18%, CDU – 7,9%, CDS/PP – 6,9%.

Da Universidade Católica para a Antena 1, RTP, Diário de Notícias e Jornal de Notícias (1-5-09): PS – 39%, PSD – 36%, BE – 12%, CDU – 7%, CDS/PP – 2%.

Parecem evidentes duas conclusões: 1) o crescimento da votação do PSD que se aproxima muito do PS. Note-se que a margem de erro da Sondagem da UC é de 2,8%, o que significa que a diferença de 3% entre esses dois partidos pode ser pouco significativa; 2) o crescimento do BE que reforçará a sua representação parlamentar, apesar de Portugal eleger este ano menos um deputado para o PE. Quantos aos resultados do CDS/PP, as duas sondagens apresentam previsões muito diferentes, pelo que não é possível retirar delas conclusões seguras.
Para além de tudo isso, teme-se uma grande abstenção. Seria importante que os portugueses compreendessem que os destinos do seu país estão indissoluvelmente ligados ao da União Europeia e que o Parlamento Europeu é, das suas instituições, a única para a qual podem eleger os seus representantes. A democratização da EU passa, portanto, pelo reforço dos poderes do PE e só o poderemos exigir se a sua representatividade for o mais possível efectiva.